quinta-feira, agosto 10, 2017

Treta da semana (atrasada): a premissa.

James Damore, um engenheiro da Google, partilhou internamente com os colegas a sua opinião de que, apesar de existir sexismo e de ser contra o uso de estereótipos, «Quando abordamos o problema da desigualdade de representação numa população, temos de considerar diferenças nas distribuições ao nível da população» e propôs que parte das diferenças na distribuição de homens e mulheres em diferentes cargos se deve a diferenças biológicas entre os sexos (1). Por isso, defendeu que é errado tomar medidas discriminatórias para aumentar a representatividade feminina em certas áreas e que deve haver uma discussão aberta acerca das causas das diferenças sem moralizar a “diversidade” como um fim em si mesmo e sem reprimir opiniões contrárias. Confirmando pelo menos parte do problema, pouco depois foi despedido (2).

Uma alegação bastante criticada foi a de que as mulheres têm menos capacidade para resolver problemas de informática ou liderar projectos de engenharia. Também duvido disso. Damore aponta que as mulheres são mais colaborativas e «demonstram mais interesse em pessoas» enquanto os homens se interessam mais por coisas. É uma simplificação grosseira, mas aproximadamente correcta (3). No entanto, esta diferença pode ser até uma vantagem na organização de equipas, um aspecto fundamental de qualquer projecto de engenharia. Além disso, até aos anos 80 a proporção de mulheres na informática cresceu a par com as outras áreas, chegando aos 35% antes de começar a cair conforme a informática deixou de ser uma disciplina académica para se tornar numa profissão de engenharia bem remunerada (4). Isto sugere que a diferença não está na capacidade das mulheres. Em geral, exceptuando tarefas fisicamente exigentes, ou tarefas que já existam há milhões de anos, como cuidar de crianças pequenas, o trabalho remunerado é demasiado diferentes daquilo para o qual evoluímos para esperar diferenças de capacidade entre homens e mulheres. Onde é de esperar diferenças significativas é nas preferências. Homens e mulheres não querem as mesmas coisas.

Mesmo que não houvesse qualquer outra diferença biológica, uns terem útero, engravidarem e amamentarem enquanto outros só têm espermatozóides torna muito assimétrica a relação entre pessoas destes grupos. Os que têm menos para contribuir estão sob uma pressão maior para competir por recursos que os tornem mais atraentes. Prolongue-se isto por muitos milhões de anos e o resultado é o dimorfismo sexual evidente na nossa espécie. Os homens não são maiores e mais musculados só porque calhou. Esta diferença resulta de milhões de anos de competição violenta entre machos por causa das fêmeas e é irracional assumir que isto não tenha causado diferenças de comportamento e preferências. Irracional, mas conveniente.

A premissa fundamental dos “estudos de género”, e que é heresia questionar, é a de que todas as diferenças entre sexos se devem à cultura*. Ponto. Isto permite isolar esta disciplina e ignorar a neurologia, a evolução, a fisiologia ou qualquer coisa que possa cheirar a biológico. O desinteresse em explicar a origem desses factores culturais (é cultural e pronto) permite também especular à vontade e escolher facilmente os alvos de indignação. Ao contrário da ciência, motivada pela curiosidade acerca da realidade, os “estudos de género” são motivados pela indignação perante a injustiça discriminatória. Com esta compartimentalização é fácil encontrar injustiças. Basta procurar estatísticas politicamente interessantes ignorando qualquer informação inconveniente. Por exemplo, os empregados da BBC com maiores salários serem maioritariamente homens (5) implica que a BBC está a discriminar (6). O facto de acontecer o mesmo no YouTube, sem salários nem empregados e onde cada um ganha conforme a popularidade dos seus vídeos (7), não é considerado relevante. Talvez seja prova de outra injustiça qualquer acerca da socialização das raparigas, da auto-confiança, do machismo ou o que calhe, mas tem de ficar separado da tese da discriminação salarial na BBC. Cortar a realidade e as explicações em pedacinhos independentes permite postular, caso a caso, os factores culturais que melhor correspondam às expectativas dos praticantes desta arte.

No entanto, por muito conveniente que esta premissa seja para os “estudos de género” e para as pessoas pagas para promover a “diversidade”, a premissa é falsa. A biologia também é importante. Entre muitos outros exemplos, isto é evidente em diferenças comportamentais em recém-nascidos (8), na diferente expressão e incidência de doenças mentais como o autismo (9) ou a depressão (10), e até na identidade de género. Muitas pessoas rejeitam o género em que foram socializadas, demonstrando cabalmente que a socialização e a “cultura” não explicam totalmente as diferenças comportamentais entre géneros. E a biologia sabemos de onde vem. Os homens têm mais motivação para competir por recursos e estatuto porque estes factores têm mais peso no seu sucesso reprodutivo do que no sucesso reprodutivo das mulheres. Isto explica porque é que os homens são maiores e fisicamente mais fortes, em média. E explica porque é que a desigualdade sexual em carreiras como construção civil ou engenharia é maior em países mais ricos, onde há mais liberdade de escolha. Explica porque é que há menos mulheres em certos cursos, em cargos de direcção, em trabalhos perigosos e porque é que as mulheres vendem menos horas do seu trabalho (11) e dedicam mais tempo à família. Até explica porque é que no YouTube há a mesma desigualdade de rendimentos que na BBC.

Os factores culturais também são importantes e há injustiças a combater. Mas é preciso reconhecer que, em média, homens e mulheres não querem as mesmas coisas. Temos de aceitar que há diferenças médias no equilíbrio entre o esforço que cada pessoa quer dedicar a competir por recursos e o tempo que quer reservar para si, para os amigos e familiares. Não podemos combater a injustiça obrigando as pessoas a comportar-se como se fossem todas iguais.

* Excepto órgãos sexuais, tamanho do corpo, forma do esqueleto, musculatura, mamas, barba e coisas igualmente irrelevantes. Mas de resto, é tudo 100% igual.

1- Gizmodo, Exclusive: Here's The Full 10-Page Anti-Diversity Screed Circulating Internally at Google [Updated]
2- Bloomberg, Google Fires Author of Divisive Memo on Gender Differences
3- Su, Rong, James Rounds, and Patrick Ian Armstrong. "Men and things, women and people: a meta-analysis of sex differences in interests." (2009): 859; e também Debra Soh, No, the Google manifesto isn’t sexist or anti-diversity. It’s science
4- Planet Money, http://www.npr.org/sections/money/2014/10/21/357629765/when-women-stopped-coding
5- BBC, BBC pay: Male stars earn more than female talent
6- Guardian, BBC accused of discrimination as salaries reveal gender pay gap - as it happened
7- Business Insider, These are the 18 most popular YouTube stars in the world — and some are making millions
8- Psychology Today, Sex-Specific Toy Preferences: Learned or Innate?
9- The National Autistic Society, Gender and autism
10 – Picinelli e Wilkinson, Gender differences in depression, The British Journal of Psychiatry Dec 2000, 177 (6) 486-492; DOI: 10.1192/bjp.177.6.486
11- Forbes, New Report: Men Work Longer Hours Than Women

3 comentários:

  1. Boas Ludwig,

    Dizes: «Mas é preciso reconhecer que, em média, homens e mulheres não querem as mesmas coisas.»
    Eu até posso concordar, e ainda nem sequer me decidi se quero ou não concordar... Mas a questão é: e como é que vais usar essa premissa e ao mesmo tempo impor as famosas regras de representatividade? Isso começa no parlamento e acaba nas empresas, é realmente transversal. Como é que propões que as mulheres possam ter acesso a lugares de chefia e ao mesmo tempo garantir que elas e eles têm o que desejam?

    Eu digo já que não sei a resposta; desconfio até que exista resposta. Para já, espero para ver.

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  2. António,

    «como é que vais usar essa premissa e ao mesmo tempo impor as famosas regras de representatividade?»

    Não se impõe. Essas regras são estúpidas e injustas porque pretendem forçar as pessoas a agir de forma a que as estatísticas seja desta ou daquela maneira quando não há razão para crer que as pessoas querem que as estatísticas sejam assim. No fundo, são tão injustas como exigir que no casamento haja uma representatividade de pelo menos 50% de cada sexo. É discriminatório e não faz sentido.

    O que se deve fazer é proibir qualquer forma ilegítima de discriminação que impeça pessoas de exercer um cargo, candidatar-se ou algo assim em função do seu sexo, entre outros atributos. E isto inclui abolir até as regras discriminatórias que visam a tal representatividade. Não interessa o propósito; é a discriminação, nessas condições, que está errada.

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    1. Ludwig,

      Dizes: «Não se impõe.».
      Mas o problema inicial que levou a que se considerar a regra, ainda que «estúpida e injusta», é que para o mercado de trabalho (pelo menos no ocidente europeu), as mulheres partem de uma posição de inferioridade. A ideia de impor a representatividade, foi tentar nivelar uma situação desfavorável e por isso injusta.

      Quando ingressei na universidade no curso de informática em 1994, de 40 e tal caloiros, haviam umas 5 raparigas. Mesmo hoje em dia, é mais provável encontrar homens nos departamentos de IT das empresas. Concordo, que se elas não estudam informática, vai ser sempre difícil cumprir as metas de representatividade, porque simplesmente, não existem mulheres que queiram. O mesmo pode ser argumentado para outros cursos, em que os homens têm taxas marginais: o curso de engenharia química era conhecido por ser quase exclusivo das raparigas, quando os restantes cursos de engenharias eram quase exclusivos de rapazes, ainda que dentro do mesmo recinto escolar...

      Concordo que a regra seja estúpida e até injusta, afinal se duas pessoas lutaram e estão com o mesmo nível de desempenho, porque escolher a mulher? Como é que garantimos que daqui a umas gerações a situação não se inverta e outros estejam a lutar pela igualdade dos homens?
      É por isso que argumento que possivelmente não existe uma boa resposta.

      No entanto, concordo com o teu terceiro paragrafo. A descrimincação ilegítima deve ser proibida. A questão passa por reconhecer essa mesma descriminação e estabelecer a tal regra. Sinceramente, não vejo como tal seja possível. É um caso, em que ter uma regra, ainda que má, seja menos mau, do que não ter regra. Pelo menos, teremos de futuro algo com que comparar.

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