sexta-feira, agosto 25, 2017

Treta da semana (atrasada): mais do mesmo...

Eu ando a tentar escrever sobre outras coisas. Mas não me deixam.

A Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) recomendou que a Porto Editora retirasse do mercado dois livros de passatempos para crianças entre os quatro e os seis anos de idade. Um é azul, tem piratas e robôs e é vendido para meninos. O outro é cor-de-rosa, tem princesas e culinária e é vendido para meninas. A CIG recomendou retirá-los do mercado porque «Esta editora, ao optar por lançar duas publicações com atividades que diferenciam cores, temas e grau de dificuldade para rapazes e raparigas, acentua estereótipos de género que estão na base de desigualdades profundas dos papéis sociais das mulheres e dos homens.»(1)

Nas competições desportivas segrega-se atletas pelo sexo e os estereótipos de género associam às mulheres menor desempenho na maioria dos desportos. E, nestas competições desportivas, nota-se que o desempenho das mulheres é inferior. A metodologia da CIG recomendaria terminar a segregação sexual no desporto para não perpetuar este estereótipos que “estão na base” das diferenças de desempenho, para as mulheres finalmente se revelarem iguais aos homens no desporto. A imbecilidade disto é óbvia porque não é a segregação sexual e os estereótipos que causam as diferenças de desempenho. Pelo contrário, são consequência dessas diferenças.

Imaginemos que recuávamos 3.5 milhões de anos e observávamos uma família de Australopithecus afarensis, nossos antepassados ou perto disso, para perceber a origem destas diferenças. Julgando pelo seu dimorfismo sexual e pelo comportamento de outros primatas, machos e fêmeas teriam papeis sociais diferentes e evidentes logo na infância. Os jovens machos passariam mais tempo em brincadeiras agressivas de dominância e competição, e as jovens fêmeas mais tempo a aprender a cuidar dos mais pequenos imitando as fêmeas adultas. Os machos adultos teriam o papel de defender o grupo, especialmente contra machos de outros grupos, e as fêmeas adultas cuidariam das crias. Isto não teria “por base” estereótipos de género mas resultaria de especializações biológicas seleccionadas por optimizarem o sucesso reprodutivo. Ao fim de 3.5 milhões de anos disto não é surpreendente que homens e mulheres não tenham o mesmo desempenho desportivo.

Estas diferenças físicas não são dissociáveis das diferenças de preferências e comportamento. Não era por pressão cultural que as jovens fêmeas de Australopithecus afarensis aprendiam a cuidar das crias e os jovens machos lutavam uns com os outros. Era porque sentiam diferente afinidade por actividades diferentes, fruto de pressões selectivas que favoreceram esses comportamentos. Hoje, também essas preferências se manifestam no desporto. Mesmo com as mulheres só competindo com mulheres, ainda assim há mais homens a praticar desporto e a diferença é maior nos desportos mais competitivos. E começa logo na infância, com os rapazes muito mais predispostos a organizar competições desportivas (2).

Muita gente rejeita a explicação evolucionária alegando que as diferenças não podem ser só biológicas. É uma falsa dicotomia. Num animal como nós, o cultural e o biológico interagem e reforçam-se mutuamente. Por exemplo, o tamanho dos nossos maxilares e os problemas com os dentes do ciso são efeitos biológicos da inovação cultural que foi usar o fogo para processar alimentos. As diferenças biológicas entre os sexos também causam pressões sociais diferentes. Milhões de anos de vantagem reprodutiva para as fêmeas que escolhiam os machos vencedores resultou em preferências femininas que motivam os homens a competir e vencer, reforçando a tendência masculina para a competição. Daqui vem o estereótipo do homem valer pelo seu sucesso no desporto, nas artes ou na acumulação de dinheiro e poder. Por outro lado, o sucesso reprodutivo dos nossos antepassados masculinos dependeu mais de investir em mulheres férteis, capazes de criar filhos e que lhes dessem confiança na paternidade. O resultado é que os homens não se sentem especialmente atraídos por campeãs nem é provável que considerem a directora da empresa mais atraente do que a secretária trinta anos mais nova. O estereótipo da mulher ideal como jovem, bonita, maternal e fiel é apenas um esboço grosseiro destas preferências e não a sua causa.

As «desigualdades profundas dos papéis sociais das mulheres e dos homens» resultam da interacção de factores biológicos e culturais que se influenciam mutuamente há muitas gerações. É um sistema adaptável mas, nos países mais desenvolvidos, estas desigualdades são cada vez mais reflexo de escolhas diferentes e não de imposições injustas. Por exemplo, enquanto na Nigéria 41% dos empreendedores são mulheres, nos EUA só 10% são mulheres e no Reino Unido são apenas 5.7% (3). Enquanto que nos EUA, onde nem sequer há licença de maternidade obrigatória, a probabilidade das mulheres chegarem a lugares de direcção nas empresas é apenas 15% menor que a dos homens, nos países nórdicos essa diferença chega aos 63%. Quanto melhores as condições oferecidas às mulheres, e melhor a segurança social, menos do seu tempo as mulheres querem vender (4). Os estereótipos não são a causa disto. São apenas um reflexo destas correlações. Querer reduzir estas diferenças retirando de circulação livros que “acentuam estereótipos de género” é como combater a obesidade eliminando livros com receitas de doces.

NOTA EXTRA: Foi muito criticada a diferença de dificuldade entre os livros por reforçar o estereótipo de que as meninas são menos inteligentes. Isto é parvoíce por duas razões. Primeiro, esse alegado estereótipo é fictício. Não há uma crença generalizada de que as meninas entre os 4 e os 6 anos são menos inteligentes do que os rapazes entre os 4 e os 6 anos. E, em segundo lugar, «No conjunto das 62 actividades propostas, existem seis cuja resolução é mais difícil no livro dos rapazes e três que apresentam um grau de dificuldade superior no das meninas.»(5). Se alguma coisa esta diferença pequena demonstra é que tiveram o cuidado de equilibrar a dificuldade das actividades entre os dois livros que, sendo para crianças dos 4 aos 6 anos, têm de cobrir uma gama bastante grande de capacidades.

1- CIG, NOTA À COMUNICAÇÃO SOCIAL
2- Time, The Scientific Reason Men Like Sports More Than Women
3- How we made it in Africa, African female entrepreneurs fighting their way to the top
4-Epicenter, The Swedish Gender Equality Paradox
5- Público, Livros de exercícios diferentes para meninos e meninas. Serão elas mais limitadas?

5 comentários:

  1. Ludwig,

    não vou discutir o acervo de informação que fazes o obséquio de nos fornecer.
    É do mais aliciante que há, em matéria de estudos, perceber claramente quanto cada gesto ou característica nossa, tenhamos ou não consciência disso (creio que não temos consciência de 99,9% ou mais), é um efeito da natureza que, por acaso, e de modo irracional (porque a racionalidade não entra nestas coisas, embora apareça como um efeito delas) tem dominado e se foi acentuando, obviamente, com sucesso.
    Mas mais do que isso, é aliciante estudar e perscrutar por que, a partir de algum momento, a força do ter que ser passou a ceder à força do dever ser, talvez ainda antes de ceder à do querer ser ou, sei lá, à do poder ser.
    Somos levados a crer que o ter que ser (fatores físico-químicos) moldou e forjou a realidade sem intervenção de outros fatores (capazes de monitorizar e manipular aqueles). Estou a pensar no crescente papel da memória e da inteligência (emocional, lógica, lúdica, etc.), ou seja, do processo de consciência do poder de agir, não agir, quando agir, como agir, etc..
    Grosso modo, e recorrendo a uma linguagem corrente, se considerarmos o destino como aquilo que nos afeta sem nada podermos fazer, porque não está nas nossas mãos, e é imenso, ainda fica uma parte considerável do que podemos fazer (não contra a natureza, porque não há nada contra a natureza) porque está nas nossas mãos.
    O azul e o cor de rosa, para meninos e meninas, não foi a natureza, nem foi o ter que ser. As saias e as calças, também não. O futebol feminino e masculino pode facilmente tornar-se misto, sem prejuízo de continuar a ser de um e de outro.
    O que me parece irracional é querer reforçar o que está instituído, porque sim, porque a evolução ditou diferenças que a cultura foi cultivando.
    De resto, espanta-me que ainda não tenha aparecido investimento em equipas mistas, não porque acredite que as melhores atletas femininas ombreassem com os melhores masculinos, mas porque acredito, ainda assim, que as melhores femininas suplantariam um grande número dos masculinos.

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  2. Nope. Que eu saiba não existe nenhuma regra no futebol dito masculino que impeça que as mulheres participem. O futebol masculino é misto. Ela existirá no futebol feminino a impedir os homens de participar.
    Nas competições desportivas alvo de grande competitividade, e por consequência alvo de grande selecção, as melhores mulheres não suplantam os piores homens.
    Assim, não é de estranhar que não exista investimento em equipas mistas. Elas já são mistas. O investimento não tem culpa que as mulheres não tenham nível para participar nas competições mistas. Por isso existe investimento em competições exclusivamente femininas.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. 100% de acordo. As diferenças existem e é são que vivamos com elas e que as aceitemos. Só não é são que uns tenham mais direitos do que os outros com base nessas diferenças. Esta questão é que deveria estar sempre em causa, e nunca a existência das diferenças em si. Um abraço

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  5. Buongiorno costosa amici!
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