sábado, agosto 10, 2013

Treta da semana (passada): escala.

Nós temos uma boa noção do tamanho de objectos próximos da nossa escala. Uma pessoa ao longe, um pombo, uma casa ou uma colina, por exemplo. Mas fora desta gama a imaginação falha-nos. A Lua tem três mil e quinhentos quilómetros de diâmetro mas a impressão que dá é de ter algumas centenas de metros ou poucos quilómetros. Uma montanha no céu, não mais do que isso. As “estrelas”, umas com milhões de vezes o tamanho da Terra e outras que até são galáxias, parecem pontinhos insignificantes. Mesmo sabendo o que são, não conseguimos que a imaginação lhes faça justiça. Por isso, é natural que nunca tenha ocorrido aos antigos a dimensão real do universo e que tenham concebido dualidades que, em retrospectiva, são ridículas. Por exemplo, o livro do Génesis começa «No princípio criou Deus o céu e a terra». Isto é várias ordens de magnitude mais disparatado do que dizer que criou um certo grão de areia e o resto do planeta. Nem é apenas uma questão de ignorância. É uma limitação cognitiva, porque mesmo sabendo como o universo é não conseguimos imaginar a enorme diferença de escala entre “cá em baixo” e “lá em cima”.

Isto vem a propósito de uma entrevista, na Revista 2 do Público, à Maria Flávia de Monsaraz, fundadora do “Quiron - Centro Português de Astrologia”. A entrevista desilude porque, perante afirmações como a de que a “Ciência Esotérica” «É a Ciência que rege a dimensão oculta do mundo e que infelizmente a maior parte das pessoas ignora. Ensina que a Vida é Una, Eterna, Indivisa e Incriada. Tudo isto são atributos de Deus. [...] Hoje, a Física Quântica já aceita que há um campo unitário que sustém toda a divisão, toda a unidade, todo o movimento», a jornalista limita-se a perguntas que mais parecem de um spot publicitário. «Nos últimos 26 anos, vem cumprindo uma missão de ensinamento no Quíron. É certo que os cursos são pagos, mas tanto quanto sei tem gerido a sua herança e o Quíron para conseguir cumprir esta missão. Mas é mesmo verdade que não cobra nada às pessoas que lhe pedem aconselhamento e ajuda?»(1). E se telefonar já receberá ainda duas extraordinárias facas de fruta.

Apesar desta ser, alegadamente, «a sua primeira grande entrevista», há outra no Sapo Astral. Talvez não seja “grande”, mas deprime menos por esse site não ter reputação que se manche com estas coisas. Nessa entrevista, Maria Flávia conta como «Sempre me guiei pelos livros que sempre me vinham parar às mãos» e dá-nos uma ideia do seu método de investigação: «Ao ler uma revista deparei-me, a dado momento, com um parágrafo que dizia que o Universo era Holístico, organizado em Sistemas, dentro de Sistemas, e que todos eles se correspondiam. Então pensei: se todos os Sistemas se correspondem, há realmente uma Ordem. É por aqui que eu vou perceber quem Sou. Esta foi uma descoberta fascinante»(2).

Subjacente a estas noções da astrologia, dos “Sistemas”, da vida ser una e o demais, está a ideia de que o que nos acontece aqui está ao nível do que acontece por outros planetas, estrelas e galáxias. Uma equivalência entre «a Mãe Terra e o Pai Céu». Segundo a Maria Flávia, Cristo ensina que «O Amor é a única vibração capaz de unir o Céu e a Terra em nós.» Tal como a astrologia, o cristianismo e demais religiões também dependem desta ilusão de que o universo é feito à nossa medida. No fundo, a ilusão de que as estrelas são pontinhos e que isto foi criado ontem para nós. A astrologia assume que os astros simbolizarem aspectos da nossa vida pessoal tem algum efeito, como se atribuir um significado a Júpiter ou a um padrão de estrelas tornasse os astros menos indiferentes às vicissitudes da nossa vida. As religiões assumem que isto foi criado de propósito, ou que o amor governa tudo, ou que tudo é uma consciência universal e assim por diante. Como se essas coisas passassem a ter alguma importância para o universo como um todo só por serem preciosas para nós.

A ciência é uma ferramenta conceptual que nos permite ir além da imaginação. Além da nossa escala. Permite lidar com quantidades que não conseguimos visualizar, como um nanossegundo ou um ano luz, especificar modelos que a nossa intuição não consegue interpretar, como a relatividade do tempo, e testar as hipóteses que daí deriva. Esta abordagem revelou um universo não só maior do que se imaginava mas maior e mais estranho do que é possível imaginar. Um universo indiferente ao que nos é mais querido – justiça, amor, propósito, sentido, felicidade e afins – e onde “o que está cá em baixo” não é o mesmo que “está lá em cima”, mas apenas um caso muito particular, pontual e, à escala das galáxias, sem impacto.

A “Ciência Esotérica” da Maria Flávia, tal como as teologias, gnosticismos e misticismos afins, apenas finge que o universo está à nossa escala. Tentar responder à pergunta pelo sentido disto tudo presume que o universo como um todo tem sentido ou propósito. Mas isso são coisinhas nossas. Parecem-nos importantes neste cantinho, durante as nossas breves vidas, mas desaparecem por completo à escala dos treze mil milhões de anos, dos milhões de galáxias e milhares de milhões de anos-luz. A ciência a sério, por testar hipóteses em vez de se limitar a acreditar nelas só porque vêm num livro, dá-nos uma imagem mais correcta da realidade. Mais desconfortável, é verdade, porque este universo é grande demais para nós. Mas é assim que as coisas são. Ironicamente, acusam a ciência de precisar deste complemento de misticismos por ser reducionista. Na verdade, a ciência é perfeitamente capaz de identificar propósito e sentido sem misticismos. Os arqueólogos e psicólogos fazem-no regularmente. Se o universo tivesse um propósito seria pela ciência, e não a ler revistas, que o encontraríamos. Estes misticismos é que são reducionistas porque precisam de assumir que o universo é apenas o quintal da Terra, criado para nós pela personificação de um Grande Chefe idealizado.

1- Estas coisas do Público só estão disponíveis a assinantes. Obrigado pelo email com a entrevista.
2- Sapo Astral, Entrevista a MARIA FLÁVIA DE MONSARAZ

15 comentários:

  1. A teologia não é uma ciência esotérica.

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  2. Ludwig Krippahl,

    Não percebo as críticas à Drª Maria Flávia. Li a entrevista que citaste e penso que existem muitos pontos em comum entres vocês os dois. Ambos criticam a Igreja Católica, ambos adoram o cientismo (eu gosto da ciência, não prescindo da torradeira, do smartphone, dos antibióticos, tudo coisas que Deus colocou na natureza, sem a ciência não te teria conhecido e passado momentos aprazíveis nesta caixa de comentários), ambos são cientistas, cada um com a sua metodologia e modelo, ambos defendem a teoria da evolução, ambos aplicam os seus conhecimentos esotéricos (o vazio sbsoluto do nada, no teu caso) à descoberta do mundo e do universo.

    Muito estranhas, sem dúvida, as tuas críticas.

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  3. O Ludwig não tem estaleca de cientista. O distanciamento, a objectividade, a imparcialidade, a neutralidade, o desinteresse, o desapego...É certo que o Ludwig não esconde a sua luta, paixão, militância, objetivo e filiação ideológica. Não obstante, o primeiro "mandamento" é o amor à Verdade.
    Quem é capaz de sentir, ter, respeito por alguém que não ama a verdade/conhecimento/ciência?
    Pode um indivíduo ser discursivo até ao enjoo. Pode um papagaio repetir a pimbalhada do Kuduro até ao esgotamento, pode até colocar rótulos ecológicos em queijo podre e trazer às costas os laboratórios dos fármacos e sacrificar o estômago e a vida para combater os seus inimigos e inventar o engenho capaz de os derrotar, e chamar a isso ciência, mas é sabido que ciência é mesmo uma questão de honestidade e que, sem esta, não há ciência.
    Se a verdade está para a inteligência como a maldade está para a astúcia, então a ciência pode variar na razão inversa da inteligência. Isto é tanto mais significativo quanto mais se considere a "escala" temporal/espacial das "habilidades". Quem não compreende isto?
    O Ludwig está sempre a tentar misturar o azeite com a água? Como acontece com os magos, astrólogos, quiromantes...?
    Não precisa de responder, Ludwig. A minha pergunta é para a plateia.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Não se vê qualquer limitação cognitiva na frase "no princípio Deus criou os céus e a Terra".

    Ela é uma forma simples mas inteiramente correta de dizer que Deus criou o tempo, o espaço e a matéria, de uma forma que até uma criança pode entender.

    Nem se vê o que há de errado em assumir que tudo foi criado com um propósito.

    A negação de propósito no Universo, na vida e no ser humano não passa de um a priori naturalista e ateísta sem qualquer fundamento científico.

    Na verdade, ele é desmentido pelos factos.

    As "coincidências antrópicas" e a extrema sintonia de que a vida depende corroboram uma criação intencional e com propósito.

    Do mesmo modo, cada género de ser vivo têm os seus códigos genéticos e epigenéticos próprios, com instruções altamente precisas para a especificação das suas funções, o que também corrobora a sua criação distinta e com propósito.

    Assim sendo, não se vê qualquer superioridade intelectual na negação obstinada e arbitrária de propósito.

    Na verdade, quando reconhecemos que as mutações causam doenças como a cegueira, a mudez, a surdez, o nanismo ou os diferentes cancros, estamos a admitir que existem aí desvios relativamente a um propósito inicial de cada órgão.

    As ciências médicas baseiam-se na ideia de teleologia.

    Elas procuram curar os desvios e aproximar os órgãos danificados do seu padrão teleológico inicial, restaurando a respectiva função.

    Acresce que é totalmente inconsistente, por parte dos evolucionistas, dizerem (arbitrariamente!) que nada tem um propósito ou um valor, e depois pretenderem sustentar que os seres humanos têm dignidade intrínseca.

    Todos vemos a contradição e a irracionalidade dessa posição.

    A existência de um Universo maior do que se imaginava e dotado de extrema complexidade em nada refuta a existência de um Deus eterno, infinito, omnisciente e omnipotente, tal como Ele se revela na Bíblia e na história.

    Pelo contrário!

    Ela apenas corrobora a Sua grandeza e omnipotência e dificulta a vida àqueles que pretendem sustentar que o Universo simplesmente veio do nada por acaso, contrariando as leis da conservação da energia, da inércia e da entropia.

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  6. Um estudo agora publicado mostra que o processo de repressão catabólica das bactérias segue um padrão matemático, o que corrobora a criação racional das bactérias e da sua capacidade de adaptação.

    Um outro estudo agora publicado concluiu que as proteínas encontradas nas rochas cambrianas são estruturalmente idênticas às actuais, não tendo evoluído nos supostos 4 mil milhões de anos que se passaram, o que, além de não explicar a origem dessas proteínas, desmente a evolução e corrobora a interpretação criacionista bíblica do registo fóssil, assente num sepultamento recente e abrupto dos seres vivos por causa do dilúvio global e em mutações recentes e rápidas.

    Recente e rápida é também a diversificação dentro do género dos caracóis, que além de mostrar que estes "evoluem" para... caracóis(!) mostra que a diversificação dentro do género é um processo rápido que não necessita de milhões de anos.

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  7. Um estudo recente mostra um Tnovo planeta, cor magenta, que coloca em causa os modelos naturalistas existentes sobre a formação de planetas, o que põe problemas a quem pensava que esses modelos refutavam a criação dos planetas por Deus.

    O que os cientistas dizem:

    “This is among the hardest planets to explain in a traditional planet-formation framework"

    “Its discovery implies that we need to seriously consider alternative formation theories, or perhaps to reassess some of the basic assumptions in the core-accretion theory.”

    Os modelos científicos são assim. Basta uma única observação e eles caem logo pela base...

    O mal não está em desenvolver modelos científicos.

    O mal está em baseá-los em premissas naturalistas erradas e confiar que eles têm a verdade definitiva sobre a origem, o sentido e o destino do Universo, da vida e do Homem.

    Isso só Deus tem...

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    1. Verborreia.... só cherry picked out of context verborreia...

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  8. O ateísmo evolucionista é tão irracional que a sua irracionalidade pode ser vista mesmo nas críticas que neste blogue têm sido feitas ao criacionismo bíblico.

    Por vezes alega-se que o criacionismo não é científico porque as suas afirmações não podem ser testadas cientificamente.

    Mas também já se tem dito aqui que as afirmações criacionistas têm sido examinadas por múltiplos cientistas de várias disciplinas e foram consideradas cientificamente insustentáveis.

    Em que ficamos?


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  9. A vida é feita de códigos e informação codificada. Estes são a evidência por excelência de criação inteligente.

    Para a vida funcionar como foi programada, esses códigos e essa informação têm que ser lidos de forma precisa. Um estudo recente evidenciou isso mesmo.

    Aí se lê:

    "...genes active in the first two hours of a fertilized egg are read quickly due to special instructions at the beginning of each gene, in a region aptly named the "promoter."

    "Within each promoter region, different combinations of short control elements or "boxes" form a code that instructs specialized construction crews, called RNA polymerases, where and when to start transcribing."

    Códigos, informação, transcrição, leitura e execução são operações típicas de processos inteligentemente estruturados.

    Os criacionistas já têm a evidência de que precisam.

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  10. E equipas especializadas de construção ("specialized construction crews").

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  11. Por falar em equipas especializadas de construção...

    Os engenheiros de materiais têm vindo a aprender com o design das patas das joaninhas, dotadas de microestruturas macias e adesivas que lhes permitem aderir a diferentes superfícies.

    Por seu lado, os engenheiros de robótica procuram melhorar os seus robôs aprendendo com o design das libelinhas com os seus sistemas visuais de detecção de alvos em movimento na escuridão.

    A implicação é óbvia: mesmo quando não o reconhecem abertamente, os engenheiros já há muito que compreenderam que o design mais inteligente se encontra nas obras do Criador.

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    1. Conclui-se que notar determinados termos em artigos de divulgação popular como base retórica pode ser falaciosa e não implica que não seja necessário provar que aquilo que se afirma.
      Por exemplo, a analogia entre o ADN e o computador é suficiente forte para esse tipo de argumento ser bom?

      Na fonte: "During their evolution, insects have developed various unique features to survive in their environment. The knowledge of the working principles of insects' microstructures holds great potential for the development of new materials, which could be of use to humans."

      Portanto, os cientistas, mesmo perante da investigação dos organismos com o fim de descobrir mecanismos para uso na engenharia, não partilham dessa "implicação óbvia". Em vez de teorias conspiracionistas criacionistas e atitudes arrogantes criacionistas nas suas justificações para tal, convém compreender realmente a razão para isso não ser um problema.

      Se a implicação fosse válida, então não seria o uso de computadores, por exemplo com algoritmos de busca de caminhos (como os genéticos), para o mesmo fim. O resultado podem ser muito inesperados mesmo para os autores dos programas. Apesar de poder ser contra-intuitivo, um aparelho pode gerar conhecimento que o criador não tem ou não consegue obter por si mesmo ou tornar-se tão complexo que o seu criador não o compreende.

      A limitação da imaginação e de processamento do cérebro humano requer atalhos, como as adaptações dos seres ao meios ambientes, que basicamente são resultado do equivalente a busca de soluções, em imensas tentativas no equivalente a uma cadeia de caracteres, durante o tempo que o cérebro humano não tem.

      Sabendo isso, o pensamento criacionista que o Jónatas propõe implica que os computadores e software sejam inúteis, já que são desenhados por humanos e os engenheiros, pela lógica criacionista, poderiam também por mero raciocínio chegar aos mesmos resultados sem eles.

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  12. Não existe qualquer analogia entre o DNA e os softwares. Em ambos os casos existem semelhanças literais.

    Até o ateu Richard Dawkins reconhece isso, quando diz:

    "DNA carries information in a very computer-like way, and we can measure the genome's capacity in bits too, if we wish. DNA doesn't use a binary code, but a quaternary one.

    Whereas the unit of information in the computer is a 1 or a 0, the unit in DNA can be T, A, C or G.”

    Voilá!

    Muitos cientistas procuram impor as suas interpretações evolucionistas às estruturas biológicas observadas, dizendo (dando como demonstrado o que é necessário demonstrar) que a evolução é que criou essas estruturas.

    Mas afirmar a crença na evolução não é provar a evolução...

    A verdade é que estruturas em si mesmas, plenamente complexas e funcionais, corroboram o seu design inteligente.

    Tanto mais que os engenheiros as usam para melhorar os seus designs...

    Os computadores e os algorítmos genéticos são criados por design inteligente, não podendo ser evidência de evolução. A tentativa de os usar como tal só mostra que não existe evidência de evolução no mundo real.

    E de facto não existe...

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