quinta-feira, fevereiro 07, 2013

Sim, mas não por isso.

O Pedro Prola defendeu a proposta de taxar suportes digitais em favor de sociedades de cobrança por ser «um pequeno sacrifício que pode restaurar alguma paz no debate pelos direitos de autor»(1). A Paula Simões discordou porque esta taxa cobra o direito legal de fazer cópias não autorizadas mas, como a lei também proíbe a cópia de ficheiros com restrições digitais, na prática estamos a pagar por direito nenhum. Fazendo um apanhado de exemplos históricos em que novas formas de exploração comercial foram permitidas em troca da cobrança de taxas em favor dos detentores dos monopólios, a Paula argumenta que «O problema da nova #pl118 é que estamos a discutir uma compensação para os cidadãos poderem fazer menos do que já podem fazer» (2). Por exemplo, quando a pianola surgiu a distribuição comercial de música dependia do monopólio sobre a cópia das pautas. Como a pianola é um piano mecânico capaz de tocar música representada em rolos de papel perfurado e os monopólios das pautas não abrangiam esses rolos, os detentores desses monopólios protestaram e foram compensados pela cobrança de taxas fixas à venda de rolos de pianola. Soluções semelhantes foram encontradas para as cover songs e a rádio. Normalmente, quando surgiram novos negócios de distribuição de conteúdos optou-se por compensar a redução no monopólio com a cobrança de algum valor sobre esses negócios em troca de não os proibir.

Apesar de discordar do Pedro, discordo também do argumento da Paula. É verdade que há uma contradição legal entre a protecção do DRM e a taxa pela cópia privada mas esse não é um problema da taxa em si. Pode ser resolvido do lado do DRM, por exemplo. Ao focar essa questão da taxa como compensação a Paula ignora uma diferença fundamental entre aquilo que se compensa nos exemplos que focou e o que se quer compensar nesta taxa.

Se eu quiser vender discos onde canto músicas do Tony Carreira tenho de pagar uma taxa ao Tony Carreira. Ou, mais precisamente, ao omitido autor do original (3). Pago por cada música e por cada cópia que venda. A justificação legal é compensar o detentor do monopólio sobre o original por este não poder proibir que outros façam negócio com a sua obra ou obra derivada. A taxa pela cópia privada, que surgiu quando o lobby da industria discográfica convenceu os políticos de que as cassetes áudio iriam matar a música (4), é fundamentalmente diferente. Em primeiro lugar, não taxa a reprodução de obras específicas, como acontece da pianola às cover songs. Taxa algo que pode ser usado para reproduzir uma obra qualquer, mesmo sem se saber qual nem se vai ser usado para esse fim. Neste aspecto, o análogo de taxar um CD ou uma cassete não é o cobrar pelo rolo da pianola mas sim pela venda de pianos ou pincéis por poderem servir para a eventual reprodução não autorizada de alguma obra “protegida”.

Mais importante ainda é a diferença naquilo que se compensa. Nos exemplos que a Paula foca, o detentor de um monopólio comercial recebe compensação porque outro está a comercializar aquelas obras. É assim formalmente e na prática também. Se eu vender um disco onde canto músicas do Tony Carreira tenho de pagar ao Tony Carreira mas, como estou a competir com os discos do Tony, não posso subir o preço e passar esse custo ao cliente final. Eu pago para fazer negócio com as músicas do Tony. Em contraste, se taxam todos os discos rígidos ou todos os CD nem é o fabricante ou revendedor que pagam nem a taxa irá compensar lucros pela venda de alguma obra concreta. É quem compra esse suporte que paga para compensar uma venda alegadamente perdida, perda essa que, mesmo que seja verdadeira, não merece qualquer compensação por si. Por exemplo, se convenço quem ia comprar discos do Tony Carreira a comprar outra coisa faço o Tony perder vendas mas não se justifica cobrarem-me por isso. Não comprar é um direito e o Tony não tem nada que se intrometer na vida dos clientes.

O problema fundamental da taxa sobre a cópia privada é exigir do potencial comprador uma compensação porque, por razões pessoais, decide não comprar o que o vendedor lhe queria vender. Isto é absurdo, injusto, e completamente diferente dos exemplos que a Paula deu. Ninguém tem obrigação de comprar discos e ninguém tem o direito a compensação por essas “vendas perdidas”. Por isso, mesmo que legalizar a cópia privada trouxesse benefícios a muita gente e mesmo que afectasse o negócio dos detentores destes monopólios, não se justificava taxa alguma porque essa lei não faria mais do que respeitar a liberdade e a privacidade das pessoas, valores muito superiores ao de qualquer modelo de negócio.

Infelizmente, o lobby norte americano da industria discográfica tem tido tanta influência nas últimas décadas que não só impôs isto nos EUA como espalhou por muitos países, à força de tratados internacionais, esta lei de taxar por não comprar. Por isso, em Portugal não podemos rejeitar esta ideia de compensar o “autor” pelo direito à cópia privada. Mas pode-se aproveitar a letra da lei para rejeitar a taxa sobre suportes digitais. Na prática, o dinheiro que a lei diz ir para o “autor” vai para os bolsos dos distribuidores e de quem trabalha nas sociedades de cobrança. Mas, à letra, a lei diz proteger os autores. Todos os autores. Assim, o argumento que me parece mais promissor assenta na desproporção entre a fracção dos 20,000 associados da SPA que beneficiaria desta taxa e os milhões de autores portugueses que pagariam a taxa por usar suportes digitais para criar e guardar as suas obras, sejam fotografias, posts, emails, aulas, artigos de investigação ou vídeos das férias. Obras que, à luz da lei, merecem tanta protecção quanto merecem as músicas que o Tony Carreira, eventualmente, tenha mesmo criado.

1- Pedro Prola, Taxar os Ipods?
2- Paula Simões, Resposta ao @pedroprola sobre a nova #pl118
3- O Tony ilustra bem a “indústria cultural” que se alimenta deste monopólios e taxas: Tony Carreira - Plágio ou Calúnia?
4- Wikipedia, Home taping is killing music.

7 comentários:

  1. Odd topic interessante:

    Uma notícia recente sobre como os salmões usam os campos magnéticos dos rios no seu sistema de navegação, ao mesmo tempo que transitam entre água doce e água salgada, corroborando o seu design (super-)inteligente.

    Sobre o sistema de navegação, os cientistas observam que:

    "for the salmon to be able to go from some location out in the middle of the Pacific 4,000 miles away, they need to make a correct migratory choice early--and they need to know which direction to start going in. For that, they would presumably use the magnetic field."


    Sobre a transição entre água doce e salgada, observa-se que:


    "When migrating, salmon must transition from fresh water to sea water, and then back again. During each transition, the salmon undergo a metamorphosis that Putman says is almost as dramatic as the metamorphosis of a caterpillar into a butterfly.

    Each such salmon metamorphosis involves a replacement of gill tissues that enables the fish to maintain the correct salt balance in its environment: the salmon retains salt when in fresh water and pumps out excess salt when in salt water."

    Como podem ver, não é difícil encontrar evidência de design (super-)inteligente nos salmões...

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  2. Eu francamente nem percebo o que é legal e ilegal nestas coisas.

    Sei que é ilegal fazer o download de filmes ou musicas em programa tipo emule. Até porque ao mesmo tempo que faço o download também estou a partilhar o ficheiro.

    Agora se eu quiser ouvir uma musica em particular basta um busca no google ou no youtube e imediatamente estou a ouvi-la. É mais fácil ouvir no youtube do que mesmo tendo o cd em casa ir procurar o cd. Quanto mais ir à rua comprá-lo.

    Penso que nada disto é ilegal. Se gostar da música e me apetecer ouvi-la num carro basta gravá-la para o telemóvel ou uma pen ou qualquer coisa do género.

    Nem me parece que haja nada de ilegal nisto, pois não ?

    Com os filmes as coisas já começam a ser um bocado assim. Os filmes integrais no youtube tem ainda má qualidade mas penso que lá chegaremos.

    Agora não consigo perceber como é que a industria pornográfica se aguenta. Os filmes estão todos on line e de borla e em HD.

    Quem compra ou paga para ver ?


    Não que eu tenha visto, cruzes canhoto, foi um amigo dum amigo que me contou...


    É por estas coisas que estas coisas dos direitos de autor me parece um desimbróglio medonho...

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    1. Pelo que sei de um colega, muitas pessoas pagam para enviar e receber SMS para algo que se podia fazer num fórum gratuito.

      Não preciso de um amigo para contar-me. Pelo meu trabalho sei que todos os dias estão a ser alugados vários filmes para adultos com títulos bizarros, como "Abracuabra", "O meu irmão gosta de cacete" e "Posso comer o teu rabo, marido?". Há sempre gente que paga.

      (é claro que enviei este comentário para dizer os títulos dos filmes)

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    2. E a república Aguenta Aguenta parte três- Sim Aguenta, mas não por isso mas mais por aquilo, ou a quilo pois como diz na P.A.C-Não preciso de uma república, ou de uma ditadura republicana para contar-me via instituto nacional de estatística.
      Pelo meu trabalho de con tá abalizado agriculamente, sei que todos os dias estão a ser alugadas velhas fábulas para adultos com títulos bizarros segundo a minha mente ordeira mo diz , como "Abracuabra ó velha república", "O meu irmão de avental gosta de cacete da loja" e
      "Posso comer o teu rabo, marido? uma fábula não tão fabulosa em tempos de republicana crise pois canibal tem hora quando o estômago dá horas".

      Há sempre gente que paga e há sempre gente que recebe é uma daquelas máximas que a todos minimizam ou uma das mínimas que tudo maximiza ou uma mediana que se faz moda

      E vamos todos morrer, excepto as bactérias que são eternas nas suas divisões e não sabemos quando, excepto se formos suicidas de sucesso.

      Por estas razões se tivermos grana para o fazer, podemos apostar em viver em velocidade cruzeiro ou vertiginosa, senão teremos de andar a passo de caracol a mendigar migalhas da mesa da terra que é assaz venenosa.

      A mulher tinha optado porque podia fazê-lo, ou seja era das felizardas que podia optar, ai podia podia, por viver a mil à hora, ou seja era do jet-set, pois a maralha mesmo com tunning raramente ultrapassa os 200 à hora claro, e assim a mulher dos mil à hora ia fazendo tantas coisas ao mesmo tempo que ninguém a acompanhava, nem o Ambrósio o seu motorista e vibrador de 2ªclasse.

      Sentia-se, evidentemente, sozinha, pois a república ou a monarquia são sempre solitárias e a ditadura idem, já a ditamole geralente arranja compagnons de route. Não era para menos, de resto não era para mais, era assim e pronto.

      Mantinha a versão ou a aversão de ter de viver uma vida vazia muito cheia e com significado oculto ou mesmo culto. Mesmo que fosse sozinha sabe-se lá aonde ia sempre acompanhada de si própria, o que já não é mau.

      Apesar de tudo, tudo a pesar nela, fosse ela república, ou monarquia ou ditadura muito ou pouco dura, ela perdurava no tempo o que era bom apesar de tudo e de todos os nadas em que nadava.

      Fosse o tudo o que fosse, ou o que fosse o tudo na fossa, tudo fossado nas guerras do nada.

      Ela estava na vida, ou na semi-vida, ou mesmo morta na vida ou morta-viva, ou mesmo num limbo qualquer e a vida ou a morte iria reconhecê-la na altura devida ou demorte por seu desnorte, um dia, um mês, um ano, uma vida, pois claro, como não, ou não como? Claro, pois.


      A mulher passou dos oitenta, chegou aos 100 teve centenário e vai indo para os 103.

      Sozinha, numa casa silenciosa a que uns chamam pátria, outros mátria, outros estado, outros vivenda da velha que nunca foi nova, a vida ou o que passa por vida,entrou-lhe pela janela porque não, se a vida sai por buracos e fendas minúsculas, porque não poderá entrar por janelas, ou mesmo portas, fechadas ou abertas, se sai também entra é lógico e não lhe sorriu.

      Quando a encontraram, quem não sabemos pois sozinha vivia, mas aparentemente quem só vive sempre encontra alguém mesmo depois de morta, ou morta-viva ou uma coisa assim, enfim a tal velha reencontrada ou encontrada aos 103 tinha uma fotografia de uma criança na mão, ou de uma mão numa criança, ou não.

      Até hoje e até ontem também, ninguém sabe nem sabia quem era a criança ou se havia criança na fotografia.
      Ela também não, se ela era a criança, ou se a criança era ela, se ela estava morta, viva, viva-morta ou semi-viva, obviamente não o sabia, era ela democracia, república, ditadura, elitocracia, matripatria ou outra fratria ela não o sabia, viva ou morta NUNCA O SABIA OU SABERIA, POIS ela também não sabia se existia ou não.

      A con tece tal como as aranhas, excepto tarântulas e muitos aracnídeos como os ácaros

      É uma república de Platão sem SócrAtes ou uma república de ácaros per krippahl?

      Provavelmente nem uma nem outra, ou se calhar as duas...

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  3. O documentário "TPB AFK: The Pirate Bay Away From Keyboard" já está disponível para descarregar:

    https://thepiratebay.se/user/SimonKlose/

    http://youtu.be/eTOKXCEwo_8

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  4. sxzoeyjbrhg,

    Já saquei. E este comprei-o, por 20€, há já uns anos, mesmo sabendo que ia ser gratuito quando saísse :)

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  5. (Antes demais: a SPA não tem 20.000 associados, a SPA representa, segundo eles, 25.000 pessoas. Isto significa que a SPA representa autores portugueses vivos, herdeiros de autores portugueses que morreram há menos de 70 anos e representa todos os autores e herdeiros de todas as sociedades de autores do mundo com quem fez protocolos)

    Tens razão, mas eu continuo a achar que o argumento é o mesmo. Os exemplos que dou são de comercialização da obra porque na primeira metade do séc. XX era difícil e caro fazer cópias, pelo que o cidadão comum, no geral, não fazia cópias.
    Ou seja, as questões que se levantavam eram relativas ao monopólio comercial. Mas o direito de autor não é apenas um monopólio comercial.

    A certa altura a lei deu o direito exclusivo ao autor. Isto significa que só o autor pode fruir e reproduzir a obra e só o autor pode autorizar a fruição e reprodução da obra por terceiros (independentemente dessa fruição ou reprodução ser ou não comercial).

    A partir do momento em que a lei deu o direito exclusivo ao autor, a lei entende que todas as excepções (comerciais ou não) podem ser alvo de uma compensação, porque a lei entende que ao retirar o poder do autor de autorizar ou não a fruição e reprodução da obra lhe está a diminuir o direito que lhe deu e se lhe está a diminuir o direito, acha que pode haver um prejuízo e nesse caso deve existir uma compensação.

    Obviamente, eu não concordo com esta ideia porque o "direito exclusivo" do autor choca com direitos fundamentais, que são mais pesados do que este direito do autor. Mas também acho difícil resolver isto sem ir aos tratados internacionais.

    Daí ter indicado a sugestão como uma solução de compromisso. Afinal todas as soluções baseadas na compensação são soluções de compromisso. Mesmo quando as utilizações comerciais foram aparecendo no último século, não era claro que elas seriam um prejuízo.

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