terça-feira, setembro 20, 2011

Redes sociais.

As redes sociais já existem há muito tempo. Talvez até precedam a nossa espécie, dependendo da definição. Mas o termo é recente e, em vez de referir o que parece significar – a rede de indivíduos e as suas relações sociais – refere um conjunto de meios de comunicação substancialmente diferentes daquilo que estamos habituados a usar. Infelizmente, além do equívoco no termo há também um equívoco acerca do que estas “redes sociais” têm de diferente.

Confundindo a rede social com estes serviços de comunicação, há quem defenda que os “amigos” no Facebook têm de ser mesmo amigos a sério e que o valor das “redes sociais” depende de escolher criteriosamente quem é que fica na lista que aparece ao carregar no desenho de um botão. Presumem que o Google+, Facebook, LinkedIn e afins devem reflectir as nossas relações de amizade, profissão ou família. Mas não é claro porquê. É natural que as listas de endereços de email ou números de telefone que nós guardamos correspondam às nossas relações mais próximas, pois só temos interesse em guardar essas. Mas estes serviços que se apresentam como redes sociais são fundamentalmente diferentes do telemóvel, cliente de email ou agenda onde mantemos os nossos contactos.

Há diferenças sociais e tecnológicas entre estes serviços modernos, dos blogs ao Twitter, e o que havia há vinte anos. As BBS não tinham tanta bonecada nem esperava encontrar a minha mãe no Gopher ou nos newsgroups. Mas o que faço hoje no blog ou no Facebook é fundamentalmente o mesmo que já fazia nos anos 90 em listas de discussão. Isto agora é mais prático, mais bonito e menos geek, pelo que se encontra por cá mais gente. Mas o que se passou desde o início da Internet até ás “redes sociais”, ao nível social e tecnológico, foi mais uma evolução gradual do que uma revolução.

A revolução foi comercial, mas essa, por conveniência de quem oferece estes serviços, tem passado despercebida. Até recentemente, fosse por carta, telegrama, telefone ou email, nós mantínhamos contacto com as nossas redes sociais pagando serviços de comunicação. Dos CTT aos ISP, o cliente era quem enviava e recebia as mensagens, e quem prestava esse serviço apenas levava a mensagem de um lado para o outro. Os correios não tiravam fotocópias das cartas, a companhia dos telefones não gravava as nossas conversas e, pelo menos até recentemente, o ISP não ficava com os nossos emails*. A revolução das “redes sociais” foi virar isto ao contrário.

Quando pomos algo no FriendFeed, Facebook ou Blogger, não estamos só a enviar a mensagem para as pessoas da nossa rede social. Estamos, primeiro e sobretudo, a cedê-la a estas empresas, bem como todos os direitos de a usar como bem entenderem. E nem sequer somos clientes dessas empresas. O serviço é gratuito, para nós, precisamente porque somos a mercadoria. No Facebook indicamos criteriosamente quem são os nossos amigos, informação essa que a empresa depois vende aos seus verdadeiros clientes, que fazem publicidade pondo-nos um link à frente a dizer que não sei quantos amigos nossos gostam daquilo. É muito mais eficaz do que se não soubessem quem são os nossos amigos. Estes sistemas são bons se aproveitarmos bem a borla, mas não são as nossas redes sociais. São apenas formas de exploração económica da informação pessoal que lhes quisermos dar.

Sistemas P2P, como o Diaspora (1), podem ser diferentes. Nesses, cada um guarda a sua informação e partilha-a directamente com quem quer, sem precisar de dar todos os detalhes a uma empresa primeiro. Sistemas de cliente e servidor, como o Google+, Facebook, blogs e companhia, são cómodos de usar e úteis para partilhar com toda a gente, mas é preciso ter em mente que aquilo que oferecem de privacidade, selecção de “amigos”, círculos e afins é só fogo de vista, porque tudo o que lá pusermos deixa de estar sob nosso controlo e, por isso, deixa de ser privado.

Aquilo que hoje se chama “redes sociais” não é o que parece. São empresas de publicidade que nos incentivam a partilhar dados pessoais – quem são os nossos amigos, onde moramos, o que gostamos de fazer e assim – para depois venderem essa informação a quem quer fazer publicidade dirigida. Nos meios de comunicação em que mantemos controlo sobre as mensagens e conteúdos, como os telemóveis, telefones, cartas e (algum) correio electrónico, faz sentido organizar as coisas de acordo com as nossas redes sociais, distinguindo amigos, familiares, colegas e conhecidos. Mas nestes meios de comunicação em que tudo fica propriedade de uma empresa não faz sentido fingir que temos privacidade nem detalhar à empresa todas as nossas relações sociais. Por isso, coisas como o Facebook, FriendFeed ou Google+ serão como este blog: onde ponho o que quero mostrar a quem se interessar, seja meu conhecido ou não. Se quero partilhar algo apenas com amigos ou familiares, uso o email ou (aguardando ansiosamente) o Diaspora. Não preciso do Facebook para me dizer quem são os meus amigos.

*Penso que ainda será assim em muitos casos. Uma das razões pelas quais uso a Netcabo para os emails pessoais é a premissa de que eles não têm capacidade de armazenamento para guardar os emails todos eternamente. No entanto, com o outsourcing para “as nuvens” cada vez mais frequente, suspeito que já nem assim me safe...

1- joindiaspora.com.

7 comentários:

  1. Diaspora: não entendi o "aguardando ansiosamente": estás a aguardar ansiosamente por ter lá uma conta, ou por ter lá a tua família para poderes lá partilhar coisas?

    Asterisco: em Portugal (ou seja, excluindo GMail e essas coisas), a Lei é rígida quanto a isso - quanto é que um ISP é obrigado a guardar, e o facto de não poder guardar mais do que isso.

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  2. Do Diaspora estou só à espera que saia de alpha para beta pelo menos, para brincar com aquilo sem a antecipação de muita bugalhada :)

    A lei restringe muito aquilo que o ISP é obrigado a guardar, e o que não pode guardar. No entanto, o ISP pode dizer que não oferece um serviço de email por ele próprio, mas apenas é intermediário para um serviço qualquer da microsoft, google ou assim, e esses podem guardar o que quiserem.

    Por exemplo, o da Netcabo diz «O ZON Mail é o novo serviço de e-mail da ZON, em parceria com o Windows Live da Microsoft», o que me faz suspeitar que é só uma fachada para o Hotmail. E o Hotmail não tem obrigação nenhuma de apagar os meus emails. Por isso estou na dúvida do que é que agora acontece aos meus emails da netcabo. Mas ainda não olhei para isso em detalhe.

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  3. Adenda:

    É mesmo: zonmail, só que o meu email ainda é @netcabo.pt e não @zonmail.pt, pelo que não sei se já lá estou na nuvem ou ainda não.

    E emails na nuvem é como o mijo na piscina: fácil de pôr, impossível de tirar :)

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  4. Not Google+, a primeira rede antissocial

    http://tek.sapo.pt/multimedia/not_google_a_primeira_rede_antissocial_1187453.html

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  5. Isto é tudo verdade mas qq dia não haverá alternativa. Com a lógica da cloud tudo o que fizermos aí ficará. Naturalmente que aí existirão critérios de privacidade e proteção de dados mas os riscos serão muito maiores.

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  6. Não concordo, acho que o próximo passo será algo como "personal clouds": i.e. cada pessoa controla a storage (um computador mais antigo em casa, por exemplo), e depois, em cloud, todos os seus dispositivos (smartphones, portáteis, etc...) acedem a essa storage. A cada vez maior largurade band disponível e os devices cada vez mais ubíquos de acesso à internet tornarão isso inevitável. Problemas de segurança, privacidade et al. continuarão a existir, mas serão menos do que actualmente, IMHO.

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  7. O meu passo corrente é um cartão SD de 8Gb (custam ~10€, e tem o tamanho de um selo) encriptado com o truecrypt. Esta é a minha "nuvem" pessoal que até posso guardar na carteira e tem todos os meus documentos correntes. Uso isto para manter os ficheiros sincronizados entre o portátil e o desktop sem sequer ter de tirar o portátil da mochila quando estou em casa.

    O total de documentos já concluídos, anos lectivos anteriores (incluindo digitalizações de todos os exames) e assim ocupa mais do que um cartão mas cabe tudo facilmente num disco rígido, e mantenho várias cópias disso em vários sítios (encriptadas, se as deixo fora de casa).

    Eu concordo que a maior largura de banda facilita o acesso remoto. Mas o custo e tamanho dos suportes de armazenamento também facilita a que se leve tudo no bolso.

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