segunda-feira, fevereiro 28, 2011

A alma.

Finalmente descobri o que é a alma. Aquilo que nós temos e que os outros animais não têm.

É mais neurónios. Nem é melhores neurónios nem nada de especial nos neurónios. É simplesmente mais.



Via Pedro Amaral Couto, no Facebook.

domingo, fevereiro 27, 2011

Dimensão espiritual.

Este fim de semana fomos passear com os miúdos. Passámos a noite em Dornes, num sítio bonito e simpático(1). Esta era a vista para o Zêzere:

Dornes

E, na igreja da vila, uma curiosa combinação de religião, política e 7ª arte. Parece que o Cavaco foi lá ver um filme, graças à nossa senhora de Dornes (que não se deve confundir com qualquer uma das outras):

WTF?

À vinda passamos por Fátima, para mostrar o santuário aos miúdos. Mas estava tanta gente que eles nem quiseram que parássemos. Vimos, do carro, umas centenas de lojas de santinhos e a parte de trás do bunker eclesiástico (2). Seguimos então para Bairro, para a Pedreira do Galinha, onde fomos ver as pegadas de dinossaurios (3). Ao contrário de Fátima, esta estava praticamente vazia. Quando chegámos havia uma família a ir-se embora, e outra chegou quando acabámos de dar a volta à pedreira, o que demorou cerca de uma hora.

vazio...

As pessoas gostam é de comprar santinhos e visitar o sítio onde uns miúdos dizem ter visto Maria. Esta escultura em Fátima ilustra bem a cena:

ah... milagre

As crianças a olhar. As ovelhas a pastar. E, da tal senhora, nada...

É triste que tanta gente dê tanto valor – e tanto dinheiro – a umas histórias de crianças. E que tão poucos liguem a pegadas que dinossauros de 20 toneladas, com uns 30 metros de comprimento, deixaram há 175 milhões de anos num pântano que entretanto se transformou em rocha e está no cimo de um monte. Gostos, admito, não se discutem. Mas não me venham dizer que precisamos da nossa dimensão espiritual e religiosa para apreciar as maravilhas da natureza. Isso, claramente, é treta.

1- Ficámos na Casa WladiVal, que recomendo. E aqui está Dornes na Wikipedia.
2- Igreja da Santíssima Trindade.
3- Monumento Natural das Pegadas de Dinossaurios de Serra de Aire.

sexta-feira, fevereiro 25, 2011

Treta da semana: ironias.

Segundo a revista Máxima, os ateus são «uma raça em extinção»(1). «Para os ateus é o cúmulo da ironia. A evolução, o processo que acreditam ser o único responsável por criar a humanidade, parece estar a discriminar os não-crentes e a favorecer os religiosos.» Irónico, e triste, é não perceberem o que escrevem. Parece-me que a pessoa que escreveu isto se limitou a copiar partes da versão preliminar da notícia, publicada no blog do Michael Blume (2).

O Michael Blume (e não “Blumer”), recolheu dados demográficos de comunidades religiosas e de vários países, e notou uma forte correlação entre religiosidade e o número de filhos por mulher. Em média, pessoas que participam regularmente em cultos religiosos têm mais filhos do que aqueles que não praticam qualquer religião. E estes últimos, com uma média de 1.7 filhos por mulher, estão abaixo do necessário para manter a população.

Segundo a Máxima, «em escalas de tempo evolutivas de centenas ou milhares de anos, as pessoas com fortes crenças religiosas tendem a ter mais filhos [...], ao contrário dos ateus, cujas sociedades estão condenadas a desaparecer.» Mas isto assume que as crianças não se conseguem livrar da religião dos pais. É o que acontece em países com pressões legais, culturais ou económicas para que as pessoas dependam de comunidades religiosas, mas em populações mais prósperas e com mais educação há muitos ateus vindos de famílias religiosas.

Baralhando-se ainda mais, a notícia na Máxima acrescenta que «Todos estes argumentos entram em contradição com as opiniões dos biólogos evolucionistas […] que afirmam que a religião é como um vírus que infecta as pessoas.» Isto é falso, porque a religião não está nos genes. Tem de ser transmitida culturalmente. Portanto, não basta a uma religião aumentar a taxa de fertilidade dos fiéis; precisa também de se transmitir das mentes dos pais para as mentes dos filhos. Não são duas teorias contraditórias mas sim dois passos no mecanismo de propagação das religiões.

O que, se for irónico para alguém, não será para os ateus. Um argumento comum dos defensores de qualquer religião é que as suas crenças devem ser verdadeiras porque há tanta gente a acreditar nelas. À parte de haver sempre mais gente a acreditar noutras, pois nenhuma religião tem sequer 50% da quota de mercado, resultados como este revelam uma explicação mais simples. Há muita gente a acreditar nessas coisas porque são crenças que se espalham pelas populações. Não prosperam por obra e graça de qualquer divindade. Propagam-se pelos mesmos mecanismos evolutivos que nos dão a anemia falciforme e as gripes sazonais.

Mas talvez o mais irónico seja a consequência de não perceberem a evolução. Durante milhares de milhões de anos, toda a vida na Terra foi moldada e empurrada pela competição, entre os genes, por lugares nas gerações vindouras. Por sorte, o nosso ramo da família cresceu para o lado de um cérebro grande, permitindo-nos compreender este processo e libertando-nos da tirania dos replicadores e da reprodução. Somos a única espécie com o potencial para contrariar o que os genes mandam. Com a contracepção podemos planear quantos filhos temos, se os temos, e gerir o nosso impacto no meio ambiente em vez de deixar os genes carregarem-nos às cegas para um precipício malthusiano.

Estas religiões são prolíferas à custa de ignorar este mecanismo e o perigo de ser escravo dos replicadores. Sejam genes, sejam memes. É esse o maior perigo de extinção. Foi essa corrida desenfreada pela reprodução, sem plano ou inteligência, que extinguiu quase todas as espécies que já existiram neste planeta. E se todos os humanos se puserem a crescer e multiplicar-se, lá se vai a nossa também.

1- Máxima, Ateus, uma raça em extinção
2- Biology of Religion, Atheists a dying breed as nature 'favours faithful' - Sunday Times Jan 02 2011 - Jonathan Leake - Full Draft Version

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

Tomates.



Via 9gag

Bright.

O termo bright, para referir uma pessoa com «uma visão naturalista do mundo [...] livre de elementos sobrenaturais e místicos»(1), foi proposto em 2003 como um designador mais positivo para aqueles que costumavam ser apelidados de ateus, descrentes, incréus, agnósticos, desalmados, desdeusados ou o que calhasse. Infelizmente, há muita gente, como o Bernardo Motta, que percebe mal o termo. Ou faz por isso. «Alguns ateus, mais atrevidos, dão um salto em frente, e auto-intitulam-se "brights". A ideia aqui é simples: o ateu é o tipo inteligente. O crente é burro.»(2)

O termo bright foi pensado para substituir “ateu” mas não coincide com este, porque a categoria que “ateu” refere é confusa e faz pouco sentido. “Ateu” é uma invenção dos crentes, para quem o seu deus preferido é o mais-que-tudo e, por isso, quem não tenha um é uma espécie de estropiado espiritual. Mas olhando, de forma imparcial, para as diferenças entre alguém como eu e um muçulmano, evangélico, católico ou judeu, vemos que o padrão é sempre o mesmo. Quaisquer dois concordam que quase todas as crenças acerca dos deuses são falsas, e discordam apenas da verdade de uma fracção pequena do total. Por isso, distinguir crentes e ateus com base na opinião acerca dos deuses faz pouco sentido.

E engana, porque faz pensar que o ateu é alguém que parte do princípio de que não há deuses, tal como cada crente parte do princípio de que o seu deus existe e, com base nessa premissa, procura amá-lo, louvá-lo e ter relações sexuais apenas como e quando ele aprova. É outro erro. A minha convicção de que não há deuses é como a minha convicção de que não há fadas e de que a força da gravidade decai com o quadrado da distância. Não são premissas fundamentais. São conclusões às quais cheguei depois de ter ponderado, imparcialmente, as alternativas e os dados de que disponho.

É essa atitude que bright tenta capturar. A atitude de averiguar os factos às claras, à luz da razão e do conhecimento, em vez de baralhar tudo à sombra de esoterismos de bolso ou superstições bolorentas.

É verdade que há aqui uma conotação com inteligência. Mas não como o Bernardo julga. O crente vê a sua crença como parte da sua identidade, e o seu abandono como uma traição imperdoável. Para muitas religiões, a apostasia é pior que violar criancinhas. Literalmente. Mas para alguém como eu, crer, não crer, descrer, pensar duas vezes e afins são opiniões. Há umas mais ajuizadas do que outras, mas qualquer pessoa pode ter uma num dia e mudá-la no dia seguinte.

Por isso, a conotação de bright com inteligência não se refere ao que a pessoa é mas sim às suas atitudes em casos particulares. Por exemplo, se me dizem que o criador de todo o universo encarnou como homem na Palestina, há dois mil anos, para se deixar matar pelos romanos, perdoar-me pecados que eu nem cometi, e que agora se pode transformar bolachas no seu corpo sem que as bolachas deixem de ser bolachas, parece-me claro que a atitude mais sensata é duvidar. No mínimo.

Mas isto não quer dizer que quem enfie este barrete seja burro. Mesmo a pessoa mais inteligente já foi uma criança ingénua, e todos sentimos pressões sociais, emocionais e familiares. Além disso, a inteligência não é como a cor dos olhos ou os dedos dos pés. Tem dias. Às vezes não percebemos bem no que nos metemos, outras vezes vemos as coisas com mais clareza. Mais brightly, por assim dizer.

Dito isto, e apesar de achar que bright é um termo melhor que “ateu”, este último tem a vantagem de uma longa tradição e, seja como for, prefiro esclarecer as minhas ideias em vez de pavonear o rótulo. O que me importa é o que penso, e não a categoria onde me enfiam. E este é outro ponto importante que me separa de crentes como o Bernardo, cujo catolicismo determina as suas opiniões em vez destas determinarem o ismo em que se põe: «não há católicos progressistas. Nem há católicos conservadores. Há católicos. Ponto final. E depois há católicos com problemas de identidade (ah, se os há!).» É como mandar os bois seguir a carroça...

1- www.the-brights.net
2- Bernardo Motta, 22-2-2011, O ocaso do ateísmo filosófico
3- Bernadro Motta, 9-8-2009, Progressistas e Conservadores

segunda-feira, fevereiro 21, 2011

Epistemologia.

Eu penso que a melhor forma de avaliar a verdade de uma alegação é considerando os dados apresentados a seu favor, a consistência destes com os restantes dados de que disponho, e o mérito relativo de ambas as hipóteses: a alegação ser verdade, ou não ser. No entanto, tenho encontrado muita gente que discorda desta abordagem.

Uns acham que o testemunho é muito importante, mesmo que não seja substanciado por dados objectivos. Outros dão prioridade à crença, à fé, à perseverança. Acredita e será verdade, e essas coisas. Outros ainda alegam que é verdade quando não se prova que é falso, quando há muitos que também acreditam, quando era bom se fosse verdade e outras heurísticas de mérito duvidoso.

A todos esses dedico este testemunho, visualmente documentado e que muita gente pela Internet fora provavelmente acredita ser verdade. Sigam os vossos métodos epistemológicos preferidos, treinem com afinco e convicção, tenham pensamentos positivos e fé que baste. Boa sorte.


Via Facebook

domingo, fevereiro 20, 2011

Treta da semana: a assinatura.

Ontem vieram cá uns vendedores bater à porta. A primeira coisa que digo, e ontem foi até sem abrir a porta, é que não estou interessado. Como ontem, quase sempre perguntam como sei que não estou interessado se ainda não me disseram o que era, ao que respondo que não estou sequer interessado em perder tempo a saber o que é. Para alguns, esta insinuação subtil da minha indisponibilidade basta para perceberem que não estou interessado. Infelizmente, os de ontem pensaram que era para voltarem mais tarde.

À segunda volta, abri a porta e disse que não estava interessado em comprar nada que me fosse vendido à porta. É uma heurística muito útil. Em primeiro lugar, porque qualquer empresa que mande gente bater-me à porta para vender coisas é uma empresa que não cumpre os meus requisitos mínimos de respeito pelas pessoas. E, em segundo lugar, porque não é boa prática comprar algo sem saber primeiro se é útil, se vale o preço e o que a concorrência oferece, ouvindo apenas a opinião do vendedor. Para os vendedores não perderem tempo comigo (e eu não perder tempo com eles), deixo isso claro logo à partida.

Mas estes eram espertos. Um deles, pelo menos. Disse que não, que não vinha vender nada e que não me estava a fazer favor nenhum. Duh, pensei, isso sei eu. Mas provavelmente queria dizer que não me estava a pedir favor nenhum, ou algo do género. Explicou que a fibra óptica que estava instalada no prédio já era nossa, dos condóminos, e que precisava apenas de uma assinatura minha a autorizar que a “passassem para minha casa”. Achei estranho que não fosse a administração do condomínio a avisar disto, ou sequer a deixar um papel à entrada do prédio. Por isso fiz mais umas perguntas e, às tantas, ele assegurou-me que não tinha de pagar nada nos primeiros cinco meses.

Espera lá. Então depois tenho de pagar? Sim, mas tem desconto, e sai mais barato do que o serviço que tem agora. Saca do panfleto da Optimus e começa a desbobinar todas as “vantagens”. Porra, pensei eu, grande aldrabão. Disse-lhe que afinal estava mesmo a vender, que eu não queria comprar nada e despachei-o. Vem então com uma das invenções mais imbecis do marketing moderno. Estende a mão para me cumprimentar*.

Nós apertamos a mesma mão que usamos para tapar a boca quando espirramos ou tossimos, e para cumprir certas tarefas de cariz fisiológico e de higiene pessoal. Como, em geral, as pessoas lavam as mãos regularmente e a maioria dos microorganismos não resiste muito tempo nas mãos secas, apertar a mão a um colega ou amigo é um risco insignificante. Em geral. Mas este senhor anda a correr os prédios todos da zona e a esfregar a palma da mão nas de centenas de pessoas. Algumas engripadas, outras que estavam na casa de banho quando ele bateu à porta e sabe-se mais o quê. Nunca sei o que é melhor: se explicar que aquilo não é boa ideia e passar por mal educado; se inventar que a minha religião não me permite apertar a mão a ninguém; ou se dar um “passou-bem” rapidinho e ir logo lavar as mãos.

O truque da assinatura provavelmente é ilegal. Assumindo que se conseguia provar qualquer coisa em tribunal, claro. E toda a filosofia deste tipo de venda, desta arte de impingir coisas a quem não as quer, é errada. Uma transacção comercial deve ser voluntária e em benefício de ambas as partes. Não deve ser um tropeção por ter o barrete a tapar os olhos. Mas não é a lei que deve resolver isto. O que resolvia este problema era um hábito enraizado, como o que nos compele a cumprimentar quem nos estende a mão. Devíamos ter todos o reflexo condicionado de bater a porta na cara de quem nos quisesse vender qualquer coisa.

* Parece-me que isto agora é sistema. Deve ser uma treta qualquer da programação neurolinguística ou afins. Treta da semana: telechatos.

sexta-feira, fevereiro 18, 2011

Custo e benefício.

Neste vídeo o Neil Gaiman conta como descobriu que deixar as pessoas descarregar ficheiros não lhe tira as vendas. Pelo contrário (1).



Nos livros isto é fácil de perceber. As pessoas gostam de ter o livro e, comparado com os esforço e tempo que um livro exige, o preço, em geral, é pouco relevante. Quem investe na leitura de um livro investe facilmente mais 10€, se os tiver. E, se não tiver, também não é um cliente perdido.

Com músicas e CDs é diferente, porque o CD é pouco prático e boa parte da música serve apenas para o ouvinte estar menos aborrecido na paragem do autocarro. Como há muita música a servir de pastilha elástica, mascada sem grande apreço, a borla substitui a compra em muitos destes casos. Por isso a Internet deu um grande golpe na parte do mercado da música que vivia de modas e publicidade.

No entanto, na música também há quem aprecie, invista o seu tempo e ouça a sério, como quem lê um livro e não como quem se distrai da fila que tem pela frente. Esses também têm gosto em comprar as edições limitadas, bilhetes de concertos, e em financiar os projectos dos seus músicos preferidos. Esse mercado, que me parece ser o mais legítimo, é imune ao alegado problema das borlas.

A razão para isto é que, nestas coisas, a economia funciona de forma invulgar. O normal é o pagamento ser um custo que só é compensado pela aquisição de um bem ou serviço. Pagamos por não termos outro remédio, se quisermos comer batatas ou que nos cortem o cabelo. Se fosse de borla era melhor. Mas com a arte, e a criatividade em geral, o pagamento não é necessariamente um custo. Pode valer por si por ser uma forma de contribuir para, e de participar em, algo que admiramos. Nesse caso, quanto mais fácil o acesso e a distribuição mais pessoas vão querer quererão participar e mais dinheiro os criadores irão ganhar. Como o Neil Gaiman descobriu, para sua surpresa.

E, já agora, é por isso que eu dei dinheiro para a Document Foundation. Uso o LibreOffice de borla e, seja como for, nunca tenho vontade de pagar por “autorização” para usar software. Mas admiro o que esta gente está a fazer e gostava de participar. Ao que parece, não sou só eu. Eles publicaram na quarta feira o pedido de cinquenta mil euros para legalizar a Document Foundation (2), e deram um prazo inicial até dia 21 de Março. Passados só dois dias já vão com quase 18,000€. Não porque as pessoas sejam obrigadas a pagar, mas porque têm a oportunidade de o fazer.

Fica aqui o link para quem quiser participar também:

challenge.documentfoundation.org

1- Via In This Twilight
2- The Document Foundtion Blog, LibreOffice Community starts 50,000 Euro challenge for setting-up its foundation

quarta-feira, fevereiro 16, 2011

Amor ou voyeur?

O Miguel Panão publicou um artigo no site da agência Ecclesia, intitulado “Onde está Deus?”, no qual aborda o problema do mal. Referindo as chuvas na Madeira e o terremoto no Chile, escreve que «são muitas as questões que se colocam relativamente a estes desastres naturais e às suas consequências para a natureza e a vida humana, mas as duas que mais ressoam no íntimo do coração humano talvez sejam: Porquê? Onde está Deus?»(1)

Pessoalmente, essas perguntas não me ressoam em órgão nenhum. Esses fenómenos são uma conjunção complexa de efeitos climáticos ou de movimentos de placas continentais, sem nada que ver com personagens fictícios da mitologia ou literatura. O que me “ressoa” no íntimo, mais no fígado que no coração, é o ponto a que chega a apologética do tal deus que dizem ser amor.

Primeiro, porque sou da opinião – chamem-lhe crença, se quiserem – de que as palavras servem para expressar o pensamento e não para o substituir. «Se tudo no mundo está em relação com tudo, cada coisa com cada coisa, não será isso expressão de uma marca deixada por Deus-Trindade, um Deus relação e, por isso, não será esta marca a relacionalidade?» Não, nem por isso...

Em segundo lugar, preocupa-me a desumanização deste personagem. Quando inventamos seres extraordinários, fazêmo-lo para mostrar algo de humano. De sobre-humano. É como projectar os nossos anseios num ecrã gigante. O Hulk fica incrivelmente forte quando se irrita; Odin era um grande guerreiro, um chefe sábio e um poeta; e até Javé tinha as suas virtudes, nos bons velhos tempos. Tinha mau feitio, nenhum sentido de humor e era um chefe tramado. Mas, pelo menos, com ele ninguém fazia farinha. Para uma tribo pequenina entalada entre o Egipto e a Pérsia, não era virtude de deitar fora.

A deificação de Jesus, e o cristianismo, já foi um tropeção. Compatibilizar a morte do profeta com a crença na sua divindade deu uma história deslavada de um cunning plan para nos salvar a todos morrendo na cruz. E agora vem esta solução para o problema do mal. Deus deixa as pessoas morrerem em terremotos e cheias porque «está com quem sofre, sente dor e morre». No seu blog, o Miguel elabora este ponto: «Onde está esse Deus omnipotente quando um inocente morre numa catástrofe natural? Deus está com esse inocente. Sofre com ele. Experimenta a morte e a finitude com ele.»(2)

Este deus fica a assistir enquanto alguém morre lentamente, soterrado nos escombros, sem sequer um “psst, escavem mais para este lado” aos que procuram sobreviventes. E nem é por querer castigar os pecadores, por ser tirano ou cruel, ou por exigir sacrifícios. Sempre houve deuses maus, mas até essa maldade seria mais humana, menos psicopata, do que ficar simplesmente a experimentar a morte e a finitude do outro.

E isto nem é o pior. O pior é a ideia de que este deus é Amor, com maiúscula e tudo. E, por implicação, que amar é ficar de braços cruzados a “experimentar” o sofrimento do outro. Quando o futebolista na barreira do livre leva uma bolada nas partes baixas, ninguém que as tenha se safa de sentir um pouco daquilo que o desgraçado sente. Mas amar é muito mais do que isso. É ajudar, tocar, partilhar e sentir por quem reconhecemos ser alguém como nós. Olhos nos olhos; nem de baixo para cima nem de cima para baixo.

Se esse deus existisse seria a coisa mais solitária do universo, sem ninguém que pudesse amar ou que o pudesse amar de volta. Nunca saberia o que é o amor. Até se compreendia essa atitude de ficar a olhar, a “experimentar” vicariamente o que os outros sentem. Mas mesmo que existisse tal coisa, seria um erro confundir a sua indiferença e passividade com aquilo que sentimos, e fazemos, quando amamos. Amor não é ficar impávido a ter pena dos coitadinhos.

1- Miguel Panão, Ecclesia, Onde está Deus?
2- Miguel Panão, O lugar de Deus perante um mal natural...

domingo, fevereiro 13, 2011

Treta da semana: Lei Sinde.

No passado dia 9, a Ley de Economía Sostenible (1) foi aprovada no Senado espanhol (2). Esta lei ilustra vários aspectos do copyright. Os fundadores dos Estados Unidos escreveram na sua constituição que o Congresso poderia conceder, aos autores e inventores, monopólios por tempo limitado com o propósito de «promover o progresso da ciência e das artes úteis» (3). Um objectivo nobre, mas que estava longe do que o copyright tinha sido até então, e também daquilo em que, na prática, depois se tornou.

Esta lei espanhola, também conhecida por Ley Sinde em honra da ministra da Cultura Ángeles González-Sinde, permite que o governo elimine sites e páginas da Web apenas pela recomendação de uma comissão do Ministério da Cultura, composta parcialmente por representantes das editoras. Isto não é para impedir que alguém distribua material coberto por copyright, porque para isso já existia legislação. É para apagar os sites onde as pessoas discutem onde se pode encontrar esse material. Ou seja, é censura (4).

O que não é de estranhar, vindo de onde vem. Antes da impressão por tipos móveis, os livros na Europa eram copiados manualmente por monges, e a Igreja Católica controlava o que podia ser copiado. Quando Gutenberg fez das dele, os padres entraram em pânico. Era terrível poder-se simplesmente copiar tudo o se quisesse. Na França, o uso da prensa de impressão chegou a ser punido com pena de morte (5).

O termo copyright surgiu mais tarde, em 1557, para designar o monopólio concedido à London Company of Stationers por Mary I, em troca de só permitirem a impressão dos livros que ela quisesse. O primeiro propósito do copyright, com esse nome, foi o de banir a literatura protestante para que os livros católicos dominassem a Inglaterra. O segundo propósito veio logo no ano seguinte, quando Elizabeth I subiu ao trono e usou o copyright para censurar os livros católicos e favorecer os protestantes.

Outro aspecto da lei Sinde é beneficiar apenas os distribuidores. Tirar páginas da Web não ajuda os autores, muitos dos quais se manifestaram contra esta lei. Ajuda apenas aqueles que fazem cópias. O que também não é novidade. Uma das razões que a Igreja Católica invocava contra a prensa de Gutenberg era que a facilidade de copiar livros ia arruinar os monges copistas. Quando o Parlamento britânico deixou expirar o copyright em 1695, os autores festejaram, libertos finalmente do poder censório da companhia de impressores. Foram os impressores – os copistas de então – quem foi chorar à porta do Parlamento alegando que sem copyright ninguém iria querer imprimir livros por já não ser um negócio lucrativo.

Finalmente, a democracia. A lei Sinde não surgiu pelo processo democrático normal em que as leis são criadas em representação dos cidadãos, e para o interesse de todos. Segue a tradição do copyright, que foi inventado numa altura em que “democracia” era apenas uma parvoíce que nem os gregos quiseram. Mas hoje em dia isto destoa. A lei Sinde lei resultou da pressão dos EUA sobre o governo espanhol, somada à dos aos lobbies da indústria da cópia, e não reflecte a vontade do eleitorado (6). É a regra nestas coisas.

O nosso Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC) é uma transposição de tratados internacionais negociados entre políticos e empresas, sem qualquer consulta pública. Por exemplo, na revisão ao CDADC de 2004 (7), o artigo 178º passou de proibir «A radiodifusão ou a comunicação ao público» de uma obra protegida e passou a proibir «A colocação à disposição do público». É uma diferença subtil, mas enquanto que na redacção antiga punia quem distribuísse a obra em meios de comunicação em massa, coisa que muito poucos podiam fazer, em 2004 passou a punir o simples acto de disponibilizar a obra, o que qualquer pessoa pode fazer num blog, no Facebook ou na sua página. Estas alterações, que mudaram por completo a relação entre esta lei e o cidadão comum, foram todas feitas sem se perguntar nada aos principais interessados. Que não são os autores nem os editores. Somos todos nós.

Adenda, 14-2-2011: o discurso de Álex de la Iglesia, ontem, na gala dos prémios Goya 2011. Presidente da Academia de las Artes y las Ciencias Cinematográficas de España, demitiu-se por discordar da lei Sinde. Também é agradável ver a cara da ministra da Cultura. Não só pela cara, que, admito, é agradável de ver, mas principalmente pelo esforço para não mostrar qualquer expressão. Obrigado ao Nelson Cruz pelo link para a página do Público espanhol com a notícia e a transcrição do discurso.




1- Wikipedia, Ley de Economía Sostenible
2- Minutodigital, 2011-2-9, Aprobada la ‘ley Sinde’ con la ayuda de PSOE, PP y CiU
3- Wikipedia, Copyright Clause
4- El Economista, Encuentro digital, David Bravo
5- O Rick Falkvinge tem uma série de posts sobre a história do copyright onde descreve estas coisas. Recomendo a série toda (mesmo antes dele a ter acabado...). Começa aqui: History of Copyright, part 1: Black Death.
6- El País, EE UU ejecutó un plan para conseguir una ley antidescargas
7- Anacom, Lei n.º 50/2004, de 24 de Agosto

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Como é que sabem?

O mês passado foi lançada uma aplicação para o iPhone para facilitar as confissões aos católicos. Tem menus fáceis de navegar, cobre os pecados mais frequentes e estipula as penitências apropriadas. Foi elaborada em colaboração como Padre Thomas Weinandy, do Secretariado para a Doutrina e Práticas Pastorais da Conferência de Bispos Católicos dos EUA, e teve o Imprimatur do Bispo Kevin Rhodes, da diocese de Fort Wayne. Segundo o National Catholic Register, já fazia falta uma aplicação séria para confissões electrónicas, contrapondo a «ofensiva aplicação Penance que saiu em Dezembro e que faz troça da Igreja»(1). O abençoado programa «providencia um exame de consciência personalizado, protegido por uma palavra passe, e um guia passo-a-passo para o Sacramento».

Infelizmente, e apesar de dizerem abraçar os novos meios de comunicação, o Vaticano torceu o nariz. Segundo o porta-voz Federico Lombardi, «é essencial perceber que os ritos de penitência exigem um diálogo pessoal entre penitentes e confessor. Este não pode ser substituído por um programa de computador.»(2)

A dúvida que isto me suscita é como conseguiram determinar que o padre é um confessor mais eficaz que o computador. Presumivelmente, quem absolve os pecados é Deus, e não o padre. E, segundo dizem, Deus sabe o que vai no coração de cada pessoa. Por isso, se alguém declara os seus pecados, os expõe à sua consciência e se arrepende deles com sinceridade, Deus devia ser capaz de perdoar mesmo pelo iPhone. Jesus, por exemplo, nunca rezava com padres, e contam que veio cá ensinar as pessoas a falar com Deus. Também não me parece que a Bíblia seja clara acerca do papel do iPhone nas confissões, e duvido ter havido tempo para o Vaticano executar um estudo de eficácia confessional, devidamente controlado e com uma amostra representativa de pecadores, para apurar as vantagens e desvantagens do iPhone.

Mais uma vez, parece que tudo converge no factor comum a estas tretas. Não é a fé, nem a religião, nem tão pouco a “espiritualidade”, o que quer que isso seja. É algo muito mais terra-a-terra. É o tacho.

1- NCRegister, First iPhone App to Receive an Imprimatur
2- Daily Mail, You can't confess to your iPhone: Vatican bans £1.19 app for Catholics. Via Boing Boing

quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Uma questão de ganância.

O João Teixeira, presidente da Associação Fonográfica Portuguesa (1), escreveu no Público uma «Carta aberta à ministra da Cultura sobre os efeitos da pirataria na Internet no estrangulamento da música portuguesa»(2). Ironicamente, a carta só está aberta a quem pagar uma assinatura do Público ou tiver pouco respeito pela “propriedade” intelectual.

Outra ironia, dupla, é o João Teixeira querer que Portugal proteja a sua «indústria cultural» para «defender a sua Cultura». É irónico, por um lado, porque a maior parte da indústria que a AFP representa são empresas estrangeiras e, pelas estatísticas da AFP, menos de um terço da música que vendem é nacional. E é também irónico porque o termo “indústria cultural”, hoje muito na berra, vem de um termo depreciativo da crítica literária e social que designa o fabrico em massa da “cultura” de consumo popular (2). A indústria cultural está para a cultura como a pastilha elástica está para a gastronomia.

Como é inevitável nestas coisas, o João Teixeira queixa-se do «roubo online» pelo qual se viola «direitos de propriedade intelectual». É uma inversão curiosa de conceitos. O roubo é o acto de privar alguém daquilo que é seu, e os direitos de propriedade são o que nos protege de quem nos quer privar do que é nosso. Mas, no copyright, é o contrário. Chamam roubo ao acto de partilhar a informação, que não priva ninguém de nada que seja seu, e chamam direitos de propriedade a mecanismos legais para privar as pessoas dessa informação.

Mas a tese principal do João Teixeira é ainda pior. Defende o João que a necessidade de «implementar soluções legislativas que restrinjam fortemente a disponibilização ilegal de obras» é uma «Questão de bom senso» para proteger «autores, compositores, artistas, músicos e outros». Isto parte da falsa premissa de que os criadores de música precisam de protecção legal. É verdade que a venda de cópias está em queda, mas quem compõe, toca e canta ganha cada vez mais dinheiro porque outros rendimentos, como o dos espectáculos, têm aumentado substancialmente. Este aumento não só compensa a queda das vendas de CDs, no volume total, como até beneficia os artistas porque a venda dos CDs é o que lhes dá a menor percentagem (4). E o problema dos CDs não é legal. É um problema tecnológico e cultural.

O fonograma, como objecto de posse e transacção comercial, é uma coisa tão ultrapassada como a grafonola. Haverá sempre quem goste de ter discos ou coleccionar CDs, porque gosta desses objectos em si, mas como mero suporte para música esta tecnologia está desactualizada. E a tecnologia que pôs a cópia ao alcance de todos tornou a música novamente em cultura.

Antes da industrialização da cópia ninguém comprava canções nem tinha músicas. Ouvia, aprendia, compunha, tocava e partilhava, mas não tinha. Só quando a cópia se tornou um negócio de fábricas e empresas é que grande parte da música, e de outros bens culturais, se transformou em coisa que se compra, vende e tem. Tudo atributos estranhos à cultura. Agora esse hábito de ter músicas vai voltando a desaparecer. Se quero mostrar uma música aos meus filhos não vou ao armário procurar o CD*. Vou ao Google. Quanto mais acessível algo está, menos necessidade sentimos de o “ter” como propriedade. E isso é que é cultura, aquilo a que todos podem aceder sem que ninguém seja dono.

Os monopólios que a associação dos fonogramas exige não são para proteger a criatividade, nem os artistas nem a nossa cultura. São para se meterem entre cada artista e o seu público, para dificultarem o acesso à cultura e para nos proibir de fazer cópias – que é tudo o que eles fazem – para cobrarem dezenas de euros por cada copy e paste. Isto não é bom senso. É apenas o choradinho de quem quer vender uma coisa que já não serve para nada.

* Tenho uma data deles, mas do tempo em que este negócio não me metia tanto nojo.

1- www.afp.org.pt
2- Público, 7-2-2011, Caderno, Opinião. Obrigado a quem me enviou o email com a notícia.
3- Wikipedia, Culture industry
4- TorrentFreak, Artists Make More Money in File-Sharing Age Than Before It

segunda-feira, fevereiro 07, 2011

Treta da semana (passada): Marketing de rede.

Há muita gente que tenta ganhar dinheiro com esquemas em pirâmide. Pela natureza destes esquemas, a grande maioria acaba por só perder. Em traços largos, num esquema destes paga-se para entrar e depois cobra-se parte da jóia àqueles que se convida, aos que esses convidam, e assim por vários níveis. Isto é ilegal porque o sistema não é sustentável. Apenas se ganha dinheiro enquanto a pirâmide crescer exponencialmente, o que nunca pode durar muito.

O marketing de rede, ou marketing multi-nível, está entre um esquema de pirâmide e as vendas directas. Num sistema de vendas directas o produtor recruta vendedores, que também podem ser consumidores, para ajudar a distribuir o seu produto. Cada vendedor ganha uma comissão pelas vendas mas lida directamente com o fornecedor. Economicamente, se o objectivo é vender o produto, não faz sentido aumentar a cadeia de intermediários entre o produtor e o consumidor final para além do que for estritamente necessário para distribuir o produto. Caso contrário, o preço final aumenta e o produto torna-se menos competitivo*.

O marketing de rede faz o contrário, incentivando cada “vendedor” a recrutar mais “vendedores” em vez de vender ao cliente final. As aspas são porque a tendência é para ninguém vender nada e ganhar dinheiro principalmente pelo recrutamento de novos elementos da pirâmide. A Network World Alliance (1) dá um exemplo de como isto funciona. Para entrar paga-se 9.90€ e tem de se fazer uma encomenda mínima de 35€. Parte disso vai para a pessoa que recruta, a outra que a recrutou e assim por diante. Depois ganha-se ou pela venda do colostro e do sumo de açaí, cujo volume de vendas desconheço mas suspeito que não seja nada de especial, ou então por caçar mais vítimas que paguem 44.90€ pelo privilégio de ficar com o dinheiro dos seguintes.

Os praticantes desta arte defendem que não é um esquema em pirâmide. Na verdade, do ponto de vista legal é difícil condenar a prática porque inclui vendas, mesmo que só em teoria. Na prática, nem por isso. Segundo o Rui Ludovino, auto-intitulado “guru” do marketing de rede (2), a inscrição para “vendedor” do sumo XANGO (3) no Brasil «custa 34€, tem que ser realizada com cartão de credito, e nao se compra sumo porque nao dá para enviar o sumo para o Brasil enquanto nao tiver aprovado pela Anvisa.»(4) O que não faz mal porque ninguém quer saber do sumo para nada. O que interessa é arranjar "vendedores", mesmo que não haja nada para vender.

O Rui Ludovino tem também um vídeo onde tenta explicar com humor porque é que o marketing de rede não é um esquema em pirâmide. Infelizmente, falha ambos os objectivos. O argumento é que as hierarquias das empresas também são em pirâmide, mas a grande diferença é que estas não precisam do crescimento exponencial de vendedores para manter o negócio (5).



Antes de concluir, queria pedir desculpa ao Rui Ludovino por o mencionar assim só de passagem. Os sites dele mereciam um ou dois posts, no mínimo. Infelizmente, ando com pouco tempo. Mas não resisto a recomendar o vídeo com os segredos dele. Não tanto pelo vídeo, porque o segredo é apenas que quer que lhe paguemos 47€ por mais vídeos, mas pelo aviso no fim da página: «É extremamente proibido a duplicação ou publicação não autorizada de quaisquer dos materiais deste site»(6). Espero que a proibição não se aplique à proibição também. É que fazer coisas proibidas, ainda vá, mas quando são extremamente proibidas tento evitar.

Concluo então com a recomendação da Federal Trade Commission, dos EUA: «Evite os planos de marketing multi-nível que pagam comissões pelo recrutamento de novos distribuidores. Na verdade são esquemas ilegais em pirâmide»(7).

* Uma lição elementar que a ACAPOR, entre outros, se recusa a aprender...

1- NWA International, Informação Geral
2- http://www.ruiludovino.com
3- XANGO, XANGO Juice
4- Rui Ludovino, XanGo – Para quem se quer inscrever no Brasil
5- Rui Ludovino, A Minha Noiva Pediu-me Uma Centena De Vezes Para Não Lhe Enviar Isto….
6- ignicaomarketing.comVideo super ultra secreto (pelo qual não precisam dar o email para spam porque eu já fiz isso e, uma vez tendo o link, não é preciso dar para esse peditório).
7- FTC, Lotions and Potions: The Bottom Line About Multilevel Marketing Plans

sábado, fevereiro 05, 2011

ECR 3: Ética, religião e ciência.

O quinto capítulo do livro Educação, Ciência e Religião (ECR) pergunta «Qual o papel das questões éticas na relação entre a ciência e a religião?»(1). A ideia base é consensual: considerações éticas podem abrandar o progresso científico porque a aquisição de conhecimento não é uma prioridade absoluta. É óbvio que a ética deve impor limites à actividade científica. No entanto, os autores desviam a resposta com algumas confusões.

No “aprofundamento” da resposta, uma adaptação de um texto do Miguel Panão, afirmam que «uma ética orientada para o valor fundamental da vida designa-se “bioética”.» Mas, normalmente, “uma ética” refere um sistema normativo, como o utilitarismo, o contratualismo ou o imperativo categórico de Kant, por exemplo. Nesse sentido, a bioética não é uma ética, porque o termo não designa um sistema normativo em particular; designa uma categoria de problemas éticos que surgem do uso de animais em experiências, da bio-tecnologia, do impacto sobre ambiente e questões afins. Desta confusão, defendem ser ilegítimo sacrificar embriões para curar doenças com células estaminais porque «Toda e qualquer vida vale, e esse valor é o mesmo em toda e qualquer circunstância.»

Esta premissa não é nada consensual, mesmo ignorando a restrição implícita – e problemática – de “vida” referir apenas alguns seres vivos, pois por certo não incluem as baratas ou os cogumelos nesta consideração. Criar um embrião num tubo de ensaio e depois sacrificá-lo para obter células estaminais mata esse ser humano. No entanto, se as alternativas são apenas nunca o ter criado ou deixá-lo morrer sem aproveitar as suas células, então a possibilidade de tratar alguém é um bem acrescido sem qualquer perda. Se o embrião pudesse crescer e estivesse a sacrificar a sua vida inteira justificava-se esta objecção. Mas se não tem qualquer hipótese de sobreviver e não há alternativa melhor, esta objecção não tem fundamento.

Acrescentam os autores que a sua “bioética” é necessária para «dignificar a vida humana na forma do embrião, assim como dar sentido ao sofrimento humano». Esta afirmação nem sequer errada consegue estar, porque, para isso, tinha de dizer alguma coisa. “Dignificar” esse embrião é apenas um eufemismo para nunca o criar, opção que nem serve os interesses dele nem de mais ninguém. E se bem que "dar sentido ao sofrimento" soa bem a quem está confortável na vida, não serve de nada para quem sofre. Quem sofre merece alívio em vez da promessa de um vago “sentido” para o seu sofrimento.

O problema fundamental, na raiz destas confusões, é uma percepção incorrecta da relação entre a religião, a ética e a ciência. Nas “primeiras pistas”, os autores escrevem: «Se entendermos a ciência como uma actividade avulsa […] então talvez a religião atrase a ciência. A ética coloca no cenário do desenvolvimento científico argumentos [que] podem desacelerar a aquisição de conhecimento. Mas os argumentos do lado da ética promovem o ser humano no seu todo». Ou seja, apresentam a ética como algo que vem da religião e impõe normas à ciência. A segunda parte está correcta. Como qualquer actividade, a ciência deve ser praticada em conformidade com a ética. Mas a primeira parte está ao contrário.

Cada religião tenta impor regras a todos os aspectos da nossa vida, desde o que se pode comer e que dias são feriados até regras morais acerca de quem deve casar com quem, peregrinar a Meca ou até acreditar que três é um e um são três. Em todos os casos, o fundamento último destas regras é que um deus muito poderoso mandou que assim fosse. Isto não tem nada que ver com a ética, porque a ética não se constitui com base nas ordens do mais forte. É precisamente o contrário. A ética é aquele fundamento de valores pelos quais se julgam todos, até o deus mais poderoso. Se um deus omnipotente arrasou Sodoma e Gomorra por discordar das preferências sexuais dos seus habitantes, torturou Jó por uma aposta ou deu dores de parto a todas as mulheres só porque uma comeu o fruto errado, a ética é aquilo que lhe aponta o dedo e o condena como malvado, cruel e imoral. Não importa que ele seja o Grande Chefe.

Respondendo à pergunta deste capítulo, o papel da ética é dar à religião e à ciência um fundamento normativo comum, ditando a ambas o que é legítimo fazerem. É aquilo que nos diz que não devemos torturar animais ou pessoas, quer seja para obter dados experimentais, quer seja para celebrar rituais religiosos. É aquilo que condena como desonesto o cientista que diga saber que há vida em Marte sem ter evidências disso. E é aquilo que condena como desonesto o padre que diga saber que há vida depois da morte sem ter evidências disso.

Uma grande diferença entre a religião e a ciência é que todos exigem que a ciência se guie pela ética e condenam quem viole a ética em nome da ciência. E é assim que deve ser. Mas muitos aplaudem, e muitos outros ficam indiferentes, quando as religiões atropelam a ética ou fingem que cada uma pode inventar a sua. E isso não devia ser assim.

1- Alfredo Dinis e João Paiva, Educação, Ciência e Religião, Gradiva 2010, pp 47-56.

terça-feira, fevereiro 01, 2011

Al Jazeera.

Não é grande novidade, mas o canal Al Jazeera está a fazer um trabalho extraordinário na cobertura dos protestos no Egipto. Têm um feed de video ao vivo e actualizações constantes (este link é para 1 de Fevereiro; é melhor consultar a página dos blogs para outros dias). E um repositório de vídeos disponibilizados sob um licença de Creative Commons.

Já agora, o Guardian também é uma boa fonte para quem estiver interessado nisto.

Por cá, a notícia em foco é que o Carlos Castro continua assassinado. Ao que parece, continuará em foco até que a situação se altere.