domingo, dezembro 12, 2010

Treta da semana: o pecado da fuga.

Tenho estado para escrever sobre a WikiLeaks e a fuga dos cabos, mas tenho adiado por excesso de coisas escritas por aí de outras coisas que tenho tido para fazer. Mas anteontem recebi um email com o incentivo que faltava, a tal palha que tramou o camelo. Portanto, aqui vai um post sobre as tretas que mais me têm incomodado nesta polémica.

A primeira é a ignorância. Por exemplo, «imagina-se que o nome seja uma paródia de gosto duvidoso à Wikipedia» (1), como se a WikiLeaks fosse um site a gozar. Uma wiki é um site cujo conteúdo pode ser editado por quem o visita. A WikiLeaks restringe os direitos de edição das suas páginas, como acontece a algumas páginas da Wikipedia, mas, originalmente, era uma wiki, e é daí que vem o nome. Este problema não afecta só os opinadores nacionais. Lá fora há jornalistas que pensam que a WikiLeaks é controlada por hackers «a tentar descobrir segredos industriais e militares» bisbilhotando os computadores das pessoas (2), há diplomatas a propor a “obliteração dos electrões da WikiLeaks” (3) e há senadores a mandar tirar o sal da sopa (4). Isto é preocupante porque estas pessoas influenciam a legislação que regula a Internet, que acaba por ser como um Código da Estrada escrito por quem julga que o automóvel é um carro de bois.

Há também a treta do terrorismo, a inevitável desculpa para qualquer disparate. Os terroristas usam a violência para aterrorizar. Põem bombas em autocarros, atiram aviões contra prédios ou tentam rebentar com pessoas que andam ás compras (5). Isso mete medo. Mas a preocupação com a lista de instalações que a WikiLeaks divulgou é ridícula (ou desonesta). Imaginem o terror de um ataque terrorista a uma fábrica de antídoto para veneno de cascavel. E a notícia a denunciar a “lista de alvos terroristas” acrescenta que esta não inclui instalações governamentais como «o centro de comunicações Pine Gap perto de Alice Springs e a estação de comunicação por satélite de Kojarena, perto de Geraldton»(6). Parece que mencionar estas já se pode. A trapalhada chega ao ponto, pelo menos por cá, de defenderem que a WikiLeaks faz “terrorismo digital”(1). Pelo que percebo, esta nova forma de terrorismo consiste em aterrorizar a população com detalhes embaraçosos acerca das asneiras dos políticos.

Há também o argumento de que a WikiLeaks peca por revelar segredos, quando a questão é se estes segredos o deviam ser. Os diplomatas americanos e chineses conspirarem para sabotar negociações sobre poluição e emissões de carbono (7) ou a a Arábia Saudita insistir com os EUA para que ataquem o Irão (8) eram segredos. Mas não é óbvio que seja do nosso interesse mantê-los secretos para que nos lixem o ambiente ou bombardeiem centrais nucleares sem sabermos porquê. Segundo o Pacheco Pereira, a «perda da confidencialidade levará a uma enorme retracção na franqueza das conversas que embaixadores». Mas este é um falso problema porque o que está em causa aqui não é a franqueza. É a trafulhice.

Esta é talvez a treta maior. Muita gente defende que devemos respeitar a confidencialidade dos telegramas entre embaixadas, ou dos políticos e militares em geral, porque é importante para fazerem o seu trabalho. Mesmo que com isto escondam comportamentos reprováveis. Mas temos de considerar qual é o trabalho destas pessoas e, sobretudo, para quem trabalham elas.

Apesar de haver ainda quem gostaria de ser súbdito, já há séculos se reconhece que um Estado deve ser um contrato entre cidadãos, celebrado em liberdade e igualdade, mesmo que a fraternidade seja pedir demais. Vamos regularmente às urnas seleccionar candidatos para cargos administrativos, contratamos os escolhidos, pagamos-lhes o ordenado dos nossos impostos e é suposto trabalharem para nós. Não é razoável que o empregado da caixa proíba o patrão de contar o dinheiro, e se o patrão for na conversa até merece ser roubado. As pessoas que contratamos para nos representar, para negociar em nosso nome e para administrar o que é nosso só muito excepcionalmente devem esconder de nós o que andam a fazer. Um grande problema hoje em dia é essa rara excepção ser aceite como norma.

Além disso, a WikiLeaks não é um centro de espionagem. Apenas facilita a divulgação de informação, de assuntos tão diversos como condições em prisões, relatórios que os políticos escondem de quem os pagou, corrupção, fuga ao fisco e documentos sobre seitas religiosas (10). O que a WikiLeaks faz deve ser protegido pela liberdade de expressão, mas é mais do que o exercício de um direito.

Os diplomatas americanos que receberam ordens para espiar na ONU (11), os oficiais da justiça espanhola pressionados para sabotar o processo pela morte de José Couso (12), e muitos outros em casos análogos, tinham a obrigação de denunciar essas irregularidades. A liberdade de expressão é um direito, mas a denúncia, nestes casos, é uma obrigação moral. A WikiLeaks preocupa muita gente no poder porque facilita que se cumpra esse dever de denúncia, tornando impotentes as leis que declaram ser crime não encobrir os crimes de verdade.

1- Paulo Pereira de Almeida, Diário de Notícias, A WikiLeaks inaugurou o terrorismo digital
2- Trudi Rubin, Columbus Dispatch, WikiLeaks cannot be tolerated
3- John Bolton, Guardian, Barack Obama is a bigger danger than WikiLeaks
4- Guardian, WikiLeaks website pulled by Amazon after US political pressure
5- BBC, Swedish shoppers caught in blasts
6- Sidney Morning Herald, Leaks offer targets for terrorist attacks
7- Der Spiegel, The US and China Joined Forces Against Europe
8- Guardian, Saudi Arabia urges US attack on Iran to stop nuclear programme
9- Pacheco Pereira, AS FUGAS DO WIKILEAKS
10- Wikileaks, About
11- Guardian, US diplomats spied on UN leadership
12- El País, "Los ministros españoles trabajan para que no prosperen las órdenes de detención"

Editado para acrescentar um "não" antes do "inclui", que devo ter apagado sem querer ao retocar o texto...

10 comentários:

  1. "In a time of universal deceit, telling the truth becomes a Revolutionary act." (George Orwell)

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  2. Gil H, essa citação é mesmo pertinente.

    Ludwig:

    «A liberdade de expressão é um direito, mas a denúncia, nestes casos, é uma obrigação moral. A WikiLeaks preocupa muita gente no poder porque facilita que se cumpra esse dever de denúncia, tornando impotentes as leis que declaram ser crime não encobrir os crimes de verdade.»

    Este ponto é excelente!

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  3. A WikiLeaks preocupa o poder porque facilita que se cumpra esse dever de denúncia, já havia muitos sítios internéticos similares, a questão é a credibilidade que foi dada a este

    e se houver falsas denúncias e mexericos

    como a associação de Tomás Taveira a uma famosa marca de bolachas espanhola

    ou a um membro das doce que deitava os problemas para trás das costas

    o problema surgirá quando sites similares feitos polícias do universo

    divulguem a vida sexual de políticos e socialities

    das escapadas sexuais de um jogador de golfe
    até a versatilidade bucal de uma miúda dos morangos com açúcar

    esquecia-me já há disso

    assi podemos insultar pessoas reais e virtuais
    difamá-las dizer que no tempo da outra senhora eram bufos nojentos

    que ouvi dizer que roubou a carteira do vôvôzinho
    ou que certo pai da democracia portuguesa tem 30 milhões de francos suiços

    e se for aldrabice?

    e se só tiver 10?

    Isaltino o Morais foi acusado por apenas um milhãozito

    credibilidade da informação

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  4. Tens toda a razão, Ludi:
    «Mas este é um falso problema porque o que está em causa aqui não é a franqueza. É a trafulhice».

    Assim, talvez o principal mérito da Wikileaks não seja acabar com a franqueza entre os responsáveis políticos, mas sim acabar antes com essa trafulhice e com as trapalhadas que tantas vezes praticam descarada e impunemente, ainda por cima alegadamente em nossa representação.

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  5. ou seja e se alguém disser aqui ou noutro lado

    que há entrecosto's canibais ou satanistas entre nós

    que o Vasco da gama, gamou uns milhões de cruzados com o comércio de material de alta tecnologia que vendeu ao xá da pérsia

    Quando o Tal & Qual ou o Jornal do Crime
    bisbilhotavam fraudes de milhões de contos com terrenos públicos
    sucedia alguma coisa

    aqui será o mesmo
    o sistema não mudará por causa disto

    tornar-se-à mais cauteloso

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  6. Sim, e isto apesar de todas as tentativas de criticar Assange pelas suas "motivações" anárquicas. De repente, a ideia liberal de que não importa a expressão em si, apenas a liberdade de expressão deixou de vingar, e agora julga-se a liberdade que Assange merece ou não ter conforme as suas crenças e motivações pessoais. Isto é ultrajante, nojento e apetece-me dar umas boas bofetadas a 90% da inteligentsia que se atreve a regurgitar "coisas" sobre este assunto na tv.

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  7. Terrorism is the word used by rich/powerful people to describe the war poor people wage against them. War is the word people in rich countries use to describe their country terrorism against poorer countries. This is what the USA has been doing for at least 1/2 century now. For extensive references, read Noam Chomsky.

    Regarding what we are now learning from these leaks, it is not as if a lot of people didn't already know about the the huge hypocrisy, duplicity and the use of their own legal systems being used to sustain the Western imperialism that guarantees 1st world remains 1st world and 3rd world remains 3rd world.

    You see, to be powerful and rich you need asymmetric information, hence the powerful like to know your secrets but hate if the populace learns about their secrets.

    Of course, this is not new, has been happening since about 10000 years but has been accelerating since about 300 years ago, the beginning of the Enlightenment, with the big help of advancing technology which conferred so much power to the West that many have become extremely self-righteous:

    "You hunter gatherer uncivilized savage, this is now our land and we will civilise you! Where is your gold?"

    Or in more modern terms:

    "You renegade descendent of a farmer and fabricator of weapons of mas destruction, this is now our land and we will democratize you! We know where your oil wells are!"

    Regarding the the politicians and "journalists" that decry these leaks, it is quite obvious why they are saying that, but nevertheless this article is a good demolishing of their arguments:

    "I have lost count of the politicians and opinion formers of an authoritarian bent warning of the dreadful damage done by the WikiLeaks dump of diplomatic cables, and in the very next breath dismissing the content as frivolous tittle-tattle. To seek simultaneous advantage from opposing arguments is not a new gambit, but to be wrong in both is quite an achievement."

    By the way, isn't it ridiculous that Amazon has terminated the contract with Wikileaks to host their web site on their servers after some political pressure, citing that WikiLeaks doesn't own or otherwise control all the rights to this classified content."

    but it is still trying to *sell* some portions of the leaked cables for its Kindle readers?

    WikiLeaks documents expose US foreign policy conspiracies.

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  8. Barba Rija disse...
    Sim, e isto apesar de todas as tentativas de criticar Assange pelas suas "motivações" anárquicas
    O anarquismo mina as bases sociais

    havia um tal de Barba Rija que dizia há uns meses atrás
    que tinha de se preservar um certo ritual nas trocas de palermices entre os membros da ordem do avental (antigos e futuros aspirantes a trolha) que pululam nestes sítios

    aqui há uns anos penduravam-se os anarkas pelo pescoço

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  9. Hydrofluoric drit disse...
    Terrorism is the word used by rich/powerful people to describe the war poor people er ord som viser til ekskrement,wage against them

    Barba Rija disse...
    Isto é ultrajante, nojento (skit ) apetece-me dar umas boas bofetadas a 90% da inteligentsia que se atreve a regurgitar "coisas" sobre este assunto não era preciso estar a prometer pancadaria ao norsk lá por ele só debitar banalidades de merda og møkke.
    øøø sempre gostei dos ooooo deles são mais burnitos

    ,

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  10. há muitos tipos de terrorismo e muitos dos suicidas não são particularmente inteligentes ou informados

    para os anarcas do século XX (início) uma lista com fragilidades de alguns lugares ou os podres de alguém

    ou pagas ou ponho no wikileak's

    em Portugal podiam ameaçar o Sousa Cintra ou o Vale e Azevedo e estes perderiam a sua credibilidade internacional

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