sexta-feira, outubro 29, 2010

Salário é isso?

No site da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) um cabeçalho apregoa que «O DIREITO DE AUTOR É O SALÁRIO DO CRIADOR»(1). Só se for o salário de quem trabalha na SPA a criar chavões imbecis.

O salário é uma remuneração pré-estipulada que se recebe por prestar um serviço, enquanto se presta esse serviço ou assim que o trabalho termina. Não é algo incerto, que se receba a conta-gotas, conforme calha e durante décadas depois do trabalho feito ou até do trabalhador ter morrido. Acima de tudo, o salário é pago por quem promete pagá-lo. Eu crio exercícios, exames e material para as aulas, dou as aulas, tiro dúvidas e avalio os trabalhos alunos. Em troca, recebo um salário, como qualquer profissional. Mas o salário não é consequência automática do trabalho que fiz. Uma condição igualmente necessária é ter um acordo prévio com quem me paga.

É por isso que eu não tenho legitimidade para cobrar o trabalho de escrever estes posts ou de dar aulas aos meus filhos sobre escaravelhos ou o Leonardo da Vinci. Não é que não dê trabalho ou que não crie nada com isto. É simplesmente porque o faço sem primeiro combinar uma remuneração com quem se comprometa pagar-me.

Os “direitos” dos “autores” não são salários nem são direitos. Nem sequer são dos autores em geral. São monopólios legais sobre certas formas de explorar alguns tipos de criatividade. Logo no seu primeiro artigo, o Código do Direito do Autor e Direitos Conexos exclui «As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas». O que, fazendo bem as contas, exclui a maior parte da criatividade humana e a maioria dos autores. Além disso, na prática estes monopólios beneficiam sobretudo os distribuidores. São esses que ficam com a maior fatia, e isso é nítido na evolução do copyright e no prolongamento retroactivo dos monopólios. Não é o John Lennon que beneficia de se adicionar umas décadas ao monopólio sobre as suas composições.

E um monopólio não é um direito, excepto no sentido puramente legal. Ao contrário do salário. Se eu prometo pagar por um serviço, quem me presta esse serviço tem o direito moral de exigir o pagamento prometido. Mas publicar um texto não cria magicamente o direito de cobrar a quem o lê ou copia. O poder legal de proibir certas formas de distribuição não é um direito moral de quem decide publicar a sua obra. É apenas um privilégio que o Estado concede, um subsídio disfarçado, pago à custa das liberdades dos outros para não constar no orçamento. Que, ainda por cima, a SPA inflaciona. «Seja original. Diga não à cópia.», exorta a SPA, esquecendo convenientemente que a cópia privada é um direito garantido pela mesma legislação, e um direito pelo qual até nos cobram impostos em cada resma de papel e em cada CD gravável.

Os autores e criadores devem ter salários. Devem ser remunerados por acordo prévio, sabendo quem lhes paga e quanto irão receber. E, felizmente, é o que acontece com a maioria dos autores e criadores. Arquitectos, juristas, cientistas, matemáticos, professores, filósofos, economistas, psicólogos, médicos, gestores, pintores, electricistas, canalizadores, barbeiros, alfaiates, decoradores e mais uma data de outros profissionais cujas criações não se vendem à resma ou em rodelas de plástico. Só aqueles que tradicionalmente ficaram à mercê dos distribuidores é que não tiveram a mesma sorte.

Eu tenho um trabalho criativo. O que, vendo bem as coisas, não é nada de especial, porque para trabalhos que não exijam criatividade nenhuma já temos máquinas que os façam. Tenho um salário, o que também é comum. Como qualquer profissional, sei quanto vou ganhar pelo meu trabalho. E, se bem que a lei não me conceda monopólios sobre as aulas que dou, também não os concede a mais ninguém, o que me permite dar aulas e fazer investigação sem ter de pedir autorização a algum “gestor de direitos”.

Por isso posso dizer aos autores e criadores que dependem da SPA que o vosso “salário” é uma aldrabice. Porque vos obriga a trabalhar antes de saberem quanto vão receber, ou sequer se receberão alguma coisa. Porque o “direito” que vos dão é o de ceder o controlo sobre o que criaram. Porque quem controla o vosso trabalho é que fica com a maior parte do dinheiro que os vossos clientes pagam. E, pior de tudo, porque esse dinheiro que o intermediário mete ao bolso é extorquido à força da lei, sacrificando a liberdade de partilhar, copiar e transformar as obras. Precisamente a liberdade de que os autores e criadores mais precisam.

1- Site da SPA. Via um comentário da Paula Simões nesta entrada d' O Vigia no Friendfeed.

14 comentários:

  1. Acima de tudo, o salário é pago por quem promete pagá-lo.
    E esse é um dos problemas do salário, é algo certo,é uma remuneração pré-estipulada que se recebe por serviços muitas vezes mais insubstanciais que os direitos de autor.

    Não é algo incerto, que se receba a conta-gotas, conforme calha e durante décadas depois do trabalho feito ou até do trabalhador ter morrido, pois isso só acontece com os impostos, mas em sentido inverso,claro está.

    Eu crio exercícios, exames e material para as aulas, dou as aulas, tiro dúvidas e avalio os trabalhos alunos. Em troca, recebo um salário, como qualquer profissional. Mas o salário não é consequência automática do trabalho que fiz.

    Uma condição igualmente necessária é ter um acordo prévio com quem me paga e assim mesmo que 100mil professores de todos os graus de ensino e 1800 juízes e outros que tais, façam um mau(subjectivo) ou um bom (ainda mais) trabalho continuarão a ser pagos a expensas dos que criam valores palpáveis económicos, ao invés de dívidas?

    Parece-me fazer menos sentido do que os direitos de autor.
    Felizmente....porque durante uns tempos

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  2. ou de dar aulas aos meus filhos sobre escaravelhos ....apesar de serem os artrópodos que como grupo taxonómico extante e extinto têm o maior número de espécies, recomendo os lepidópteros como ferramenta pedagógica, deduzo que os formicidae tenham ido todos à vida

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  3. "Eu crio exercícios, exames e material para as aulas, dou as aulas, tiro dúvidas e avalio os trabalhos alunos."

    Tu fazes isto tudo? Espero que te paguem bem ;-)

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  4. RESPOSTA AOS "DEVERES" FANTÁSTICOS DO LUDWIG

    Partes do princípio de que é bom ir além do egoísmo. Do ponto de vista cristão, isso é correcto.

    E do pensamento dos milhões de anos de evolução predatória, plena de dor, sofrimento e morte? Será que a evolução considera o egoísmo um mal?

    Pelos vistos, Richard Dawkins considera que os genes são naturalmente egoístas.

    Do mesmo modo, Charles Darwin considerava que os mais aptos triunfam naturalmente sobre os menos aptos, só colaborando com eles quando isso for do seu interesse.

    Como podemos exigir ser guiados por outros valores? Quais são? De onde surgiram? Surgiram acidentalmente?

    Então porque devemos obediência a eles? Qual é a relação que eles estabelecem connosco?

    As luas de Saturno também terão surgido acidentalmente e eu não me sinto vinculado por elas.

    Porque é que temos que considerar outros sujeitos, se tudo terá sido o resultado de processos irracionais e acidentais?

    Onde é que se diz que um acidente deve consideração a outro acidente?

    Onde é que se diz que um acidente evolutivo deve considerar as preferências de outro acidente evolutivo?


    Que código moral diz isso? Quem o estabeleceu? Porquê esses deveres e não outros? Quem decide isso?


    Os teus "deveres" têm tanta consistência científica, lógica ou racional como a fada do dente, o bule voador ou o Pai Natal.

    Sabes qual é o teu problema, Ludwig?

    Eu digo-te.

    É que tens uma visão naturalista do mundo, sendo que não existe nenhuma explicação naturalista para a origem da energia e da massa, da vida, da razão e dos valores morais.

    É esse o teu problema.


    Estás encurralado lógica, racional, científica e filosoficamente.

    Bem podes espernear, mas esta é a tua situação...

    Tens dúvidas? Continua a argumentar e vais ver que não sais do beco sem saída em que estás metido...

    Se cada é livre para criar os seus valores, como podes criticar os valores dos autores e da Sociedade Portuguesa de Autores?

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  5. Joaninha,

    «Tu fazes isto tudo? Espero que te paguem bem ;-)»

    Já ficava contente se me continuassem a pagar o mesmo. Mas julgo que nem isso... :P

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  6. Jónatas,

    «Se cada é livre para criar os seus valores, como podes criticar os valores dos autores e da Sociedade Portuguesa de Autores?»

    Assim como vês. Exercendo a minha liberdade para criar os meus valores. Mais uma vez estás a inventar problemas onde eles não existem. A hipótese de que os seres humanos são capazes de ter os seus sistemas de valores, e que estes podem ser diferentes de pessoa para pessoa, está muito bem fundamentada pelos dados que temos.

    Em contraste, a hipótese de que se deve tudo ao menino Jesus carece totalmente de fundamento.

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  7. Asmodeux,

    «recomendo os lepidópteros como ferramenta pedagógica,»

    O nosso entendimento é que eles escolhem os temas, eu apenas sugiro alguns de vez em quando. E, sendo rapazes, não admira que prefiram escaravelhos a borboletas.

    «deduzo que os formicidae tenham ido todos à vida»

    Uma ainda está viva, mas não tendo posto ovos ao fim deste tempo todo já presumo que não vá ter um desfecho feliz. Mas como é inquilina sossegada e de manutenção pouco dispendiosa, lá a deixo ficar no formicário dos segredos, com a câmara a filmar. E, pelo que tenho ouvido dizer, a TVI teria bastante a ganhar em substituir os mamíferos que tem usado por formicidae. Ou até lepidoptera...

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  8. Porque é que temos que considerar outros sujeitos, se tudo terá sido o resultado de processos irracionais e acidentais?

    Esta questão ainda é mais pertinente, Porque é que o cú tem a ver com as calças? Aliás, proponho que ponderemos sobre esta questão com a mesma seriedade que encaramos todas as questões do Jónatas.








    Exacto.

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  9. E, sendo rapazes, não admira que prefiram escaravelhos a borboletas.

    isto é extremamente machista

    está a sugerir que os meus alunos são .....?

    sinceramente

    os filhos da mãe não pegam num escaravelho nem morto

    nas lagartas e farfalas pelo contrário...

    quanto ao salário

    Já ficava contente se me continuassem a pagar o mesmo. Mas julgo que nem isso... :P

    temos pena mas os laboratórios despediram mais de 300
    bioquímicos, biólogos e similares só no mês de Agosto

    e muitos não têm outras opções nem direito a subsídio de desemprego
    pois há muita gente com 40 e 50 e mesmo 60 anos refugos não reformados e despedidos da quimigal e petrogal a recibo verde

    logo sangro por vós funcionários públicos
    mas.....

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  10. Jagga daba daba,

    «isto é extremamente machista»

    Não. Machista seria não querer que gostassem de borboletas por serem rapazes. Não ficar surpreendido por acharem escaravelhos mais interessantes é realismo, não machismo. É importante que a vontade de evitar impôr estereótipos às crianças não nos cegue para as diferenças entre rapazes e raparigas, e não nos leve ao outro extremo de querer impôr uma uniformidade onde ela não surge naturalmente.

    «logo sangro por vós funcionários públicos»

    Sempre. É dos teus impostos que me vem o ordenado :)

    Não acho mal que reduzam os salários dos funcionários públicos. É compreensível, dadas as circunstâncias. Ainda assim, continuo a preferir que as circunstâncias fossem outras.

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  11. Hoje ouvi anunciar na TSF um programa sobre direitos de autor no Domingo de manhã, já não me lembro se às 10h ou às 11h. Como era uma iniciativa conjunta TSF e SPA, provavelmente o debate deve ser enviesado mas ainda assim, talvez valha a pena ouvir.

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  12. João Vasco disse...
    .

    (tou afónico e bou ficar disléxico)
    O direito do senhor é a pernada do autor

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  13. telepac.pt Perafita, Porto 3:21:39 am 1 0:00
    http://ktreta.blogspot.com/
    2
    telesp.net.br So Paulo, Sao Paulo 3:09:19 am 1 0:00
    http://ktreta.blogspot.com/2008/02/as-religies-so-ms.html

    o que me espanta é a afluência brasileira 50% do total
    e são só 2:22 é a nova hora que ainda não mudou

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  14. 190 milhões contra 10. Se for 50-50, mesmo assim quer dizer que é 20x mais apelativo a portugueses do que a brasileiros.

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