segunda-feira, abril 30, 2007

Mente e fisiologia, parte 3: qualia.

O subjectivo tem qualidades que percebemos imediatamente. A dor dói, o doce tem aquele sabor, o pensar, recordar, imaginar, desejar. Os filósofos chamam qualia às qualidades que fazem o subjectivo ser como é. Parece ser o maior mistério da mente.

Ninguém que a sinta tem dúvidas acerca duma sensação. Seja pensar ou doer, seja encarnado ou doce, se sentimos sabemos como é. Mas não há descrição que transmita a sensação a quem nunca a teve. A quem nunca viu encarnado não há nada a dizer que faça perceber a sensação de ver encarnado. Thomas Nagel ilustrou isto num exemplo famoso: mesmo sabendo em detalhe todos os processos neurológicos do morcego continuamos sem conhecer a sensação de ser morcego. O Desidério Murcho, no De Rerum Natura, tem um bom resumo deste exemplo e do problema dos qualia (1). Eu gosto mais do exemplo da Mary, do Frank Jackson.

A Mary é uma neurologista hipotética que sabe tudo acerca da percepção visual mas que nunca viu cores. Sempre viveu em sítios a preto e branco. Apesar de saber tudo o que há a saber acerca da neurologia da cor, se a Mary vir uma rosa encarnada vai aprender algo de novo: a sensação de ver essa cor.

Isto demonstra que os qualia são irredutíveis à descrição neurológica, levando muitos filósofos a conceder algo ao dualismo. Até John Searle, um dos meus preferidos. Defende que a consciência é tão natural e materialista como a digestão ou a respiração, mas concede um dualismo pela separação entre a sensação e a descrição dos processos que a produzem. Como muitos outros, diz não ser possível passar de «os neurónios fazem isto» para o que eu sinto. Mas nisto atrevo-me a dizer que ele está enganado. Parece-me que há um mal entendido.

Podemos descrever o motor de combustão a dois níveis diferentes. Ao nível microscópico, pelas propriedades das ligações químicas das moléculas de gasolina e do metal. E ao nível macroscópico, o da termodinâmica, metalurgia, e mecânica do automóvel. Mas estas descrições estão logicamente interligadas. Das propriedades microscópicas é possível deduzir as propriedades macroscópicas, e a descrição macroscópica pode ser reduzida à descrição microscópica.

O problema filosófico diz que isto não é válido para os qualia. A Mary não pode deduzir a sensação de ver encarnado a partir da descrição microscópica do funcionamento dos neurónios. Mas é um falso problema. Surge de confundir a sensação com uma descrição. Na analogia do motor, a sensação de encarnado não corresponde à descrição macroscópica. Corresponde ao motor. A sensação é a coisa descrita, e não a descrição.

Esta confusão é exacerbada noutra forma de expor o (alegado) problema, separando o relato de terceira pessoa do relato de primeira pessoa. Por exemplo, a Mary diz «os meus neurónios fazem isto e eu sinto que vejo encarnado». Interpretamos a primeira parte da frase como uma descrição dos neurónios, e que é distinta da coisa descrita. Mas na segunda parte, quando a Mary diz «eu sinto», não sabemos se está apenas a descrever ou se está mesmo a sentir. A descrição da sensação é redutível à descrição dos neurónios. Se soubermos tudo sobre o morcego podemos descrever o que ele sente. O que não é redutível à descrição é a sensação. E o morcego, já agora. O que é descrito é mais que a descrição.

Explorar os detalhes num texto curto baralha mais do que explica. Por isso fico por aqui com o apanhado do mais importante. A mente é como a digestão. É um processo natural, fisiológico, de física e química. A sensação é diferente da descrição dos neurónios mas isso não é um mistério. É característica de qualquer descrição ser distinta da coisa descrita. Descrever a digestão da maçã não digere maçãs. Para digerir maçãs é preciso mais do que a descrição. É preciso maçãs, enzimas, estômago, e assim por diante. E para sentir o que é ser morcego ou ver cores é preciso ter mesmo os neurónios a funcionar daquela maneira. Só com conversa não se vai lá.

A questão agora é como a actividade do cérebro é sensação. Ou seja, como é que os neurónios causam mente. Em parte já é uma questão científica para a neuropsicologia ir respondendo. Mas também é uma questão filosófica porque depende da noção de causa. Se tudo correr bem, será o próximo post da série.

1- Desidério Murcho, 19-4-07, Como é ser um morcego?

Episódios anteriores:
Mente e fisiologia, parte 1: o dualismo.
Mente e fisiologia, parte 2: Homúnculos.

domingo, abril 29, 2007

Arca de não é.

O meu irmão Bruno mandou-me esta notícia da inauguração de uma réplica da Arca de Noé, na Holanda. Este trecho chamou-me a atenção:

«Mr Huibers, a contractor, built the ark out of cedar and pine - because Biblical scholars are still not sure as to which type of wood was used in the ark's construction.»

Eu sugeria a estes estudiosos Bíblicos que unissem esforços com os pinoquiologistas e aos painatalólogos. Tudo indica que a Arca tenha sido construída da mesma madeira que o Gepeto usou para fazer o Pinóquio e que o Pai Natal usou no trenó voador.

Mente e fisiologia, parte 2: Homúnculos.

O argumento do homúnculo é uma falácia que explica algo por si próprio. É recorrente nos argumentos dualistas. Explica a sensação de ver da seguinte forma: o cérebro processa a informação visual, apresenta-a à alma, e a alma tem a sensação de ver. É como um homenzinho minúsculo que está nos nossos olhos a ver a imagem projectada na retina.

O leitor «Leprechaun» dá um exemplo deste argumento ao propor que o cérebro é análogo a um receptor de rádio (1). Lesões cerebrais afectam a recepção, e é isso que altera o comportamento do corpo; a consciência é imune a estes problemas. É uma hipótese atraente porque parece conciliar os problemas neurológicos com uma alma imortal. É tudo problema de comunicação. O braço não mexe porque não recebe as ordens da alma. O paciente está cego porque o cérebro não transmite a imagem à alma. Mas não explica nada. Como é que se cria consciência? O cérebro passa a informação ao homúnculo e o homúnculo cria a consciência. Muito obrigado... Além disso levanta o problema da interacção entre o homúnculo e o cérebro. Se o homúnculo é imune aos AVCs porque há de sentir dor quando pisam o pé ao corpo?

Além de inútil, a hipótese do cérebro como mero interface entre corpo e a alma é incompatível com muitas observações. A perda de memória exige que seja o homúnculo a esquecer-se das coisas. A dupla consciência do paciente com o cérebro dividido implica que há dois homúnculos a conduzir aquele corpo. O tratamento farmacológico de maníaco-depressivos mostra que o homúnculo é afectado pelo Lítio no sangue.

Falha nos detalhes, e é nos detalhes que as teorias mostram o que valem. Uma lesão na região occipital privou um paciente das cores. Não só deixou de ver cores, mas deixou de conseguir imaginá-las. Uma malformação vascular lesou uma área na parte posterior do cérebro de uma mulher. A paciente perdeu a visão de objectos em movimento. Via perfeitamente o que estava parado, mas qualquer coisa que se movesse tornava-se invisível para ela. Noutro caso, uma mulher sofreu danos cerebrais por inalação de monóxido de carbono e perdeu a capacidade de distinguir linhas horizontais de linhas verticais e não era capaz de identificar objectos a partir de desenhos. No entanto não tinha dificuldade em enfiar um envelope numa ranhura horizontal. Não conseguia distinguir horizontal de vertical mas conseguia orientar um objecto de acordo com a posição da ranhura (2). A teoria da mente no cérebro explica todas estas observações porque podemos identificar no cérebro os sistemas independentes que processam diferentes aspectos da nossa consciência. O homúnculo não encaixa aqui nem a pontapé, porque assume que a consciência é algo uno, indivisível, e imune ao que acontece ao cérebro.

O homúnculo dá uma história bonita. Uma alma imortal que sofre de ressacas mas não de tromboses. Mas é nos detalhes que se vê se a história aguenta. Eu e o «Leprechaun» concordamos que os modelos presentes da consciência vão ter que ser alterados no futuro para acomodar os dados que estão sempre a surgir. Mas o homúnculo tem um futuro tão risonho como a alquimia dos quatro elementos ou o geocentrismo.

1- São modelos, senhor...

2- Estes exemplos foram tirados das páginas 256 e 257 do livro Fundamentals of Human Neuropsychology, de Bryan Kolb e Ian Q. Whishaw. É um livro algo denso e técnico, mas tem centenas de páginas de dados concretos que refutam qualquer homúnculo.

Episódios anteriores:
Mente e fisiologia, parte 1: o dualismo.

Treta da semana: Homeopatia.

O carro anda a fazer um barulho estranho, e recorro a um tratamento complementar com homeopatia. Molho um guizo num alguidar. Diluo uma gota dessa água noutro alguidar e repito a diluição cinco vezes, agitando vigorosamente. No final tenho o remédio para o carro. Umas gotinhas todas as manhãs e, pelo sim pelo não, levo-o à oficina à mesma. Sucesso garantido.

Os fundamentos da homeopatia são a «lei dos semelhantes», que diz para tratar a doença com algo que reproduza o sintoma, e a teoria que a diluição aumenta os «poderes espirituais» do remédio, O primeiro é um disparate óbvio, refutado por qualquer problema desde a micose à perna partida. O segundo foi posto à prova em 2004, numa tentativa de suicídio por um grupo de cépticos na Bélgica (1). Em protesto contra a cobertura de tratamentos homeopáticos pelas companhias de seguros, os suicidas ingeriram substâncias como arsénico e veneno de cobra com uma potenciação homeopática de 30C. Isto é, uma diluição de um para 1060, um 1 seguido de sessenta zeros. Mil milhões de vezes mais diluído que um átomo num alguidar do tamanho da Terra. Felizmente não houve fatalidades.

Com as diluições típicas dos remédios homeopáticos podemos ter confiança que não ingerimos um único átomo ou molécula da substância activa. E ainda bem. Sai caro para um frasco com água mas ao menos não tem efeitos secundários. Nem primários. Nem quaisquer que seja, excepto na carteira.

A homeopatia foi criada por Samuel Hahnemann no inicio do século XIX segundo o método da medicina alternativa: partir de uma observação, inventar um disparate, gesticular muito e usar palavras sonantes. Hahnemann notou que o remédio usado para a malária (infusões de casca da chinchona) produzia sintomas semelhantes aos da malária em pessoas saudáveis. E pronto. Bastou inventar a regra da diluição para ter o sucesso garantido sem incomodar o paciente.

Devo salientar que, na altura, foi uma boa ideia. Melhor tomar gotinhas de água que se submeter às barbaridades a que chamavam «medicina» nesse tempo. Mas a presente (e crescente) popularidade desta aldrabice deve-se à economia de mercado e não ao seu valor terapêutico.

Antevendo a crítica à analogia do carro, sei que os doentes não são máquinas e devem ser tratados com consideração e simpatia. Mas a analogia é apta porque os tratamentos eficazes assentam na compreensão do mecanismo da doença. Tratar um osso partido, substituir uma válvula no coração, eliminar uma infecção ou corrigir uma deficiência enzimática resolvem um problema material, mecânico. Só trata a desarmonia energética, as vibrações negativas e patetices dessas quem não sabe o que anda a fazer. E para hipocondríacos há coisas mais baratas.

A homeopatia ignora a causa da doença, ignora as leis da física, e ignora toda a evidência que demonstra que a homeopatia é treta. Quem diz que mal não faz que pense no asmático que deixa a bomba em casa porque tem consigo o frasco com água. Ou o doente com cancro que deixa a quimioterapia porque gotas de água têm menos efeitos secundários. E a quem quer acreditar nesta «terapia» e deitar dinheiro ao lixo aconselho: acredite mas não confie. Até as igrejas têm pára-raios...

1- Homeopathic Suicide: Proving that Homeopathic Remedies are Quackery
Mais informação na Wikipedia, sobre homeopatia e Samuel Hahnemann

sexta-feira, abril 27, 2007

São modelos, senhor...

O leitor que assina «Leprechaun» afirma:

«enquanto considerarmos a consciência como [...] mero subproduto da matéria altamente organizada, neste caso o cérebro, tudo aquilo que observarmos... por muito anómalo que seja [...] será interpretado nessa base filosófica que ainda enferma a ciência actual.»

Os modelos surgem milagrosamente no avental do cientista, meros frutos dos pressupostos que ele enuncia e imunes às evidências. Já me cansa repetir que esta história está ao contrário. Vou ver se resolvo isto com um post; não elimina a ideia mas sempre fico com uma coisa à mão para copiar e colar. Talvez mande fazer um carimbo...

É verdade que os modelos científicos são rígidos e limitam a interpretação das observações. Mas são tão rígidos que se partem quando as observações não encaixam. Consideremos a consciência como mero subproduto da matéria pouco organizada, neste caso as unhas. Esta hipótese é tão científica como a do cérebro, apenas noutra parte do corpo. Mas não se encaixa qualquer observação nesta «base filosófica». Corto as unhas, não perco a consciência, e vejo logo que o modelo é treta.

Um modelo cientifico não é uma «base filosófica» que permita interpretar tudo e mais alguma coisa. É um conjunto de afirmações precisas que só pode corresponder a um cenário bem definido. Afirmar que a massa do protão é 938.272 MeV não dá margem para anomalias. Ou é aquilo, ou está errado.

Os modelos são rígidos, mas a ciência progride porque não se prende a um modelo. Não anda milhares de anos a tocar o mesmo disco riscado. Arremessa os modelos contra as observações, parte quase todos, cria novos modelos e repete enquanto houver financiamento. E os modelos que sobrevivem não são menos frágeis. Estão é encastrados na realidade e apoiados nas evidências, e só por isso é que ainda não se partiram.

O modelo do cérebro consciente será refutado se alguém mostrar que pensa sem actividade cerebral. E não só, porque este modelo não é apenas uma afirmação vaga. É o modelo do córtex visual, do papel do hipocampo na formação de memórias, da regulação de comportamentos pelo córtex pré-frontal, dos efeitos da norepinefrina na depressão clínica e muitos outros detalhes. É um modelo que sobreviveu ao massacre de inúmeros modelos alternativos. Não por ser uma «base filosófica», não por interpretar tudo o que calhar ou por ser poesia vaga. Este modelo sobreviveu porque concorda com a realidade ao pormenor.

E vai-se partir. A ciência exige cada vez mais dele e vai revelando as suas falhas. Partes do modelo serão substituídas e daqui a uns anos teremos modelos bem diferentes para o funcionamento do cérebro. É este o processo. Os modelos que este processo produz não são edifícios construídos sobre os pressupostos que nós escolhemos. Pelo contrário, são as pequenas pepitas que sobram depois da realidade desbastar o lixo que é a maior parte dos pressupostos que inventamos.

quinta-feira, abril 26, 2007

Mente e fisiologia, parte 1: o dualismo.

«Expliquem-me o Amor». Antigamente Deus manifestava-se na trovoada e na lepra. Hoje estas são descargas eléctricas e micobactérias, e é superstição acreditar que provêem directamente de Deus. Aquilo que se compreende só pode ter uma ligação vaga e ténue a Deus, mais por abstracção teológica que por fé a valer.

Como a sensação de amar é ainda misteriosa parece razoável dizer que Deus é Amor. Só que o mistério não é ser amor, é ser sensação. O papel do amor na nossa reprodução e sobrevivência é claro, tão claro como o papel do espirro na desobstrução das vias respiratórias. O mistério, em ambos os casos, é que os sentimos. Sentimos amor e sentimos comichão no nariz antes de espirrar, mas como é que um corpo feito de células e matéria sente e tem consciência? Esse é o mistério que quero abordar.

Esta série de posts vai ter pouco a ver com a religião, mas tenciono voltar, no final, ao Deus como amor. Entretanto, começo pelo dualismo, a hipótese que é uma mente imaterial que pensa e sente. Descartes chamou-lhe a coisa pensante (em latim parece mais sério, res cogitans).

O dualismo troca um problema por três. Continua sem explicar como é que se sente, e agora tem também que explicar como é que a mente imaterial afecta a matéria e como é a matéria afecta a mente. Como é que o meu braço mexe quando eu quero e sinto dor quando me pisam o pé?

Descartes resolveu os dois últimos problemas recorrendo a Deus. Quando alguém me pisa, Deus cria uma dor na minha mente. Quando a mente quer mexer o braço, Deus vai e mexe-o. Dá pouco descanso a Deus, mas concorda com o dogma religioso e permite a vida depois da morte, o que é muito importante para a Igreja. Por isso foi aceite por todos na altura. Mente de um lado, corpo do outro, Deus pelo meio, e nada de misturas. Mas o problema inicial ficou por resolver. Como explicação, era melhor encolher os ombros e dizer «sei lá».

E a evidência refuta cabalmente o dualismo. O álcool no sangue baralha os pensamentos. Lesões, AVCs, ou doença de Alzheimer tiram-nos memórias, traços de personalidade, ou mesmo a fala. Não é razoável que uma mente eterna e imaterial seja afectada desta forma, ou que Deus lhe destrua partes sempre que um vaso sanguíneo se rompe no cérebro.

Vou focar apenas dois exemplos das muitas evidências contra o dualismo. Primeiro, o cérebro dividido pelo corte do corpo caloso, um feixe de fibras nervosas que une os dois hemisférios. Cortar o corpo caloso impede que os impulsos de um ataque epiléptico se propaguem ao cérebro todo. Tratou-se assim alguns casos casos graves de epilepsia. Mas também impede a passagem de informação, dividindo a mente em duas. É pouco perceptível porque a fala é controlada por um só hemisfério, tipicamente o direito, mas por vezes nota-se comportamentos antagónicos nos dois lados do corpo. Por exemplo, uma mão leva o cigarro à boca e a outra tira-o, repetidamente.

E testes específicos revelam a divisão da consciência. Sem ver, o paciente tacteia um objecto comum, como uma chave ou caneta, e é capaz de seleccionar esse objecto, só pelo tacto, de entre um conjunto de objectos diferentes. Mas apenas se usar a mesma mão. Se primeiro tactear o objecto com uma mão e tentar seleccioná-lo com a outra já não consegue. Ambos os hemisférios compreendem a tarefa e conseguem desempenha-la, mas cada hemisfério controla uma mão e não comunicam entre si. São duas consciências independentes.

Todos os testes feitos a estes pacientes dão o mesmo resultado: são duas mentes diferentes, cada uma controlando metade do corpo, mas só uma com o dom da fala.

O segundo exemplo é a negligência contralateral*, na qual uma lesão cerebral destrói a representação de um lado, tipicamente o esquerdo. Para o paciente o lado esquerdo não existe. Não mexe o lado esquerdo do corpo, não veste essa parte, não come a comida do lado esquerdo do prato, é incapaz de raciocinar sobre esse lado e mesmo quando recorda algo omite o lado esquerdo. Por exemplo, desenha todos os números do relógio no lado direito do círculo.

Estes casos, e muitos outros, mostram que a nossa mente não é una e indivisível. É um conjunto de sistemas independentes e indissociáveis do funcionamento do cérebro. O primeiro passo para compreender o mistério do sentir é rejeitar o dualismo. Seja no amor ou no espirro, a mente não é mais que a actividade do corpo.

*Contralateral neglect. Não sei se esta tradução é Português ou Brasileiro.
Mais informação sobre esta condição aqui, onde podem ver o tal desenho do relógio.
Sobre o cérebro dividido, um texto do Michael Gazzaniga, um dos primeiros a investigar estes casos, e esta notícia de um estudo que encontra casos de lateralização mesmo sem cortar o corpo caloso.

quarta-feira, abril 25, 2007

Testemunho incompreendido.

Quando discuto religião costumo ouvir que se sabe que é assim porque há testemunhos, mas que é tudo tão complexo que não se consegue compreender. Ocorrem-me imediatamente três questões:

Primeira: se é tão complexo que não se compreende, como é que sabem?

Segunda: porquê este testemunho em vez de outro qualquer?

E terceira: mas estão a gozar comigo?!

Vou abordar as duas primeiras.

Há tempos, num debate sobre milagres, uma senhora deu o seu testemunho: «vi com os meus próprios olhos o cego a ver uma luz». Este ficou-me como o paradigma do testemunho religioso. Diz que disse e cada um vê o que quer. Considerem que testemunho vos faria crer numa virgem que é mãe sem inseminação artificial, ou num morto que ressuscitou ao fim de três dias. Com certeza não bastava ler num livro ou ouvir um testemunho.

E que testemunho? Nunca explica como se determinou que Maria era virgem. A ressurreição é um relato de alguém a quem disseram que umas mulheres viram o túmulo aberto. Uns homens, que elas terão pensado ser anjos, contaram-lhes que o morto já vivia. Isto é pior que testemunhar o cego a ver uma luz. Nenhuma das testemunhas testemunhou coisa alguma.

Estas afirmações são pesadas demais para o testemunho, mas antes que o esmaguem o crente diz que é um testemunho especial. É um Testemunho. Porquê? Aí vem a tal complexidade do que não se compreende.

A teologia é de facto complexa. Dá voltas e voltas, mói e remói até responder «porque sim» em quinhentas páginas de argumento tão confuso que o leitor nem sabe o que lhe bateu. E diz que este testemunho é especial por ser revelado. Vejamos então a revelação. O conceito é simples: Deus fala com os homens. Por vezes, raramente, até com as mulheres. Moisés tem um problema com o faraó, Deus explica o que fazer. Moisés precisa de leis, Deus dita e Moisés escreve. Simples.

Mas levanta problemas, Porquê ir revelando? O sensato seria dotar-nos logo à partida de tudo o que precisamos para cumprir o Seu plano, mas de vez em quando Deus tem que dar umas dicas. Segundo explica a Enciclopédia Católica (1) isto não é mau planeamento. É generosidade divina. Quanto menos revelar, mais sensato é. Quanto mais revelar, mais generoso é. Este tipo é mesmo excepcional... O papel da teologia é inventar desculpas eruditas, complexas, e difíceis de compreender. Quando questionados escondem a careca com a erudição complexa e incompreensível.

Outro problema é distinguir a «verdadeira revelação». É estranho que seja problema, porque um ser omnipotente e omnisciente não devia deixar dúvidas. Talvez seja generosidade. E é um grande problema porque a revelação pode ser tudo, da inspiração artística à infalibilidade Papal, mas a Igreja não pode aceitar que tudo seja revelação. Por isso avalia cada alegação pela «preservação dos tipos e continuidade dos princípios». Ou seja, o que é revelado tem que estar de acordo com aquilo que a Igreja já tomava como revelado. Maravilha.

Sabemos que a mãe do morto que ressuscitou era virgem porque o Testemunho é Revelado. E sabemos que o Testemunho é Revelado porque está de acordo com o que já sabíamos, que a mãe do morto que ressuscitou era virgem. Preservam-se assim os tipos e a continuidade dos princípios, de acordo com o critério mais fundamental da teologia: o sim porque sim.

1- Catholic Encyclopedia, Revelation

terça-feira, abril 24, 2007

Johann Pachelbel

Compositor barroco alemão do século XVII, é hoje conhecido praticamente só pelo seu cânone em ré maior. Pelo menos o cânone em ré maior é conhecido.

Rob Paravonian dá uma opinião pessoal acerca desta musica e do compositor. E mais um prego no caixão do mito da originalidade musical.



Fonte: o meu irmão Bruno, por email.

segunda-feira, abril 23, 2007

Causalidade.

A leitora Joaninha pediu-me que explicasse melhor os acontecimentos sem causa na mecânica quântica. Não vou conseguir, mas vou tentar explicar porque é tão difícil compreender quer a causalidade quer a sua ausência. Talvez isso ajude.

Nós procuramos causas para tudo. Tal é a nossa vontade de as encontrar que por vezes apontamos como causas os milagres, o misterioso, e até o sei lá, deve ser qualquer coisa. Mesmo causas tão vagas são melhores que nenhuma.

No entanto a causalidade não é uma parte da natureza que possamos encontrar. É uma forma de relacionar acontecimentos na nossa mente. O prego está lá, o pneu furou-se, mas que o prego causou o furo é uma relação mental que nós inventamos. Não há razão para culpar mais o prego que o pneu, mas, psicologicamente, é mais confortável apontar o prego como causa do que dizer que o furo foi causado pelo pneu.

Há séculos que os filósofos discutem o que raio é isto da causalidade. Porque também podíamos dizer que foi o fabrico do pneu que causou o furo. Ou que o prego não tem nada a ver porque nem sempre os pneus se furam com os pregos. É difícil definir o que é uma causa. Tão difícil que ainda não há definição consensual deste conceito.

Assim temos a primeira parte da explicação: é difícil perceber um acontecimento sem causa, mas também é difícil perceber um acontecimento causado. A noção de causa é um truque mental que a evolução nos deu que funciona bem na prática mas que dá problemas se o analisamos em detalhe.

Agora um exemplo da mecânica quântica. Temos uma caixa fechada. Numa das paredes, do lado de dentro, está um detector de fotões. Pode ser o CCD de uma máquina digital, por exemplo. Na parede oposta abrimos uma fresta e deixamos entrar luz. A mecânica quântica permite-nos calcular como vai ser a onda de luz projectada no detector. Depende do tamanho da fresta, se há duas frestas, depende da cor da luz, e assim por diante. E identificamos a causa: a onda de luz no detector é assim por causa deste conjunto de factores.

A cada instante batem fotões no detector. Um aqui, outro ali, e podemos calcular pela onda a probabilidade de detectar um fotão em cada sítio. Mais uma vez temos causas: batem mais fotões aqui por causa da onda ser maior neste sítio. Mas neste preciso momento calhou bater um fotão exactamente aqui em vez de ali ao lado, e agora não vemos causa nenhuma. Temos a probabilidade de isto acontecer, mas pode acontecer ou não e para nós isto não chega como causa. Não satisfaz a necessidade psicológica de um «prego causa furo ao pneu».

Não posso explicar esta ausência de causa de uma forma que satisfaça. Nem a mim, nem à Joaninha, nem a mais ninguém. Vamos ficar todos insatisfeitos. Mas posso salientar que a culpa não é da luz nem da mecânica quântica. A culpa – a causa, se quiserem – é da forma distorcida como o nosso cérebro interpreta a informação, fruto das condições em que evoluímos. Para os nossos antepassados era muito mais importante saber que aquelas pegadas eram causadas por tigres que compreender que a noção vaga de causa não serve para tudo. Serviu tantas vezes para lhes salvar a vida que agora é muito importante para nós.

Para finalizar, quero deixar claro que no caso da onda de luz e do fotão não é apenas uma questão de ignorância nossa. O prego às vezes fura e às vezes não, mas ao microscópio poderíamos ver a causa de furar ou não furar. Na mecânica quântica sabemos (tanto quanto se pode saber o que quer que seja) que não há causas escondidas. Só temos esta informação porque só há esta informação. Não há nada que cause o fotão calhar ali em vez de calhar ao lado. Mas como sabemos isso fica para outra altura.

Champô saltitante.

O efeito de Kaye que é... bem, vejam o vídeo.



E aqui está o artigo a explicar.

Fonte: Eric Berger, SciGuy, Weird Science

domingo, abril 22, 2007

Treta da semana: o meu horóscopo.

Nasci a 3 de Julho, o que faz de mim Caranguejo. O Sol, visto da Terra, parece percorrer no céu um caminho pelas constelações do Zodíaco. Ora a 3 de Julho o Sol está na constelação Gémeos, e por isso sou Caranguejo. Confuso? A astrologia é mesmo assim.

Há mais de dois mil anos, quando uns Gregos se puseram a inventar horóscopos, o Sol entrava na constelação Carneiro no equinócio* da primavera. Essa ficou a primeira constelação e dividiram o zodíaco por outras 12. Mas entretanto a precessão da Terra deslocou o equinócio, no qual o Sol agora está a meio da constelação Peixes.

Além da precessão dos equinócios havia um problema com o calendário Juliano, em uso de 45 AC até 4 de Outubro de 1582. Era um calendário com 365 dias por ano mais um dia extra cada quatro anos, quase como o nosso. O problema é que um ano terrestre tem 365.2424 dias (ano do equinócio vernal), e o ano do calendário Juliano tem em média 365.25 dias. Mil e seiscentos anos mais tarde já ia com dez dias de atraso e estava a estragar a Páscoa aos católicos.

Para corrigir o problema o Papa Gregório XIII decretou um novo calendário em 1582. Neste, um ano divisível por 100 só é bissexto se for divisível por 400. Decretou também uma alteração de data: a seguir a 4 de Outubro de 1582 foi o dia 15 de Outubro de 1582. Isto repôs o equinócio da Primavera no dia 21 de Março e alinhou melhor o calendário com a órbita e precessão da Terra.

Agora tenho que contar o que fizeram os astrólogos nestes 15 séculos em que o Sol no equinócio foi mudando de constelação, o calendário errado se foi desfasando do ano vernal, e, finalmente, se saltou 10 dias de uma vez.

Nada. Não mudaram uma única data. É por isso que os nativos de Caranguejo como eu nascem quando o Sol está na constelação Gémeos. Mas é de notar que isto não afectou as previsões astrológicas. A astrologia de hoje é tão fiável e útil como era na Grécia antiga, e até é mais higiénica porque já não usam as entranhas dos pombos.

Mas há pessoas astrologicamente ainda menos afortunadas. Quem nasceu entre 30 de Novembro e 17 de Dezembro tem o Sol na constelação do Ofiúco, ou Serpentário. Esta constelação, além de clandestina, é a 13ª. Se acredita nestas tretas já tem mais uma razão para se preocupar.

Passo então ao meu horóscopo para o dia 22 de Abril de 2007. Ou melhor, horóscopos. No Terravista (1) a foto da simpática Maya enfeita a lista de signos, e escolho o meu. Caranguejo. Acho...

«Carta Dominante - O DEPENDURADO
Saúde - Poderá ter alguma dificuldade em superar problemas de foro emocional ou psicológico.
Amor - Alguns desentendimentos poderão, depois de superados, reforçar as ligações.
Dinheiro - Não deve temer submeter-se a provas, nem deixar de lutar pelos seus propósitos.»


Vejo algumas coisas que me podem acontecer. E que podem não acontecer. Como previsão não é muito preciso, mas pelo menos cobre todas as possibilidades. À procura de uma segunda opinião, vou à astrologia no Sapo (2) e consulto o Paulo Cardoso, que prevê:

«Para ultrapassar esse seu estado de espírito inquieto, medite, leia um bom livro de Astrologia ou procure algo que desenvolva o seu mundo interior.«

Pois, também me pareceu mais um conselho que uma previsão. Mas está lá escrito previsão, e eles é que sabem. Como ainda me restavam dúvidas acerca do dia de hoje, fui ver o que a Maya dizia também no Sapo:

« SAÚDE: Pode obter melhorias com a continuação de um tratamento.
AMOR: Acredite naquilo que lhe for dito; não deve haver margem para desconfianças.
DINHEIRO: Invista mais na sua vida profissional; o dia pode ser pleno. »


Curiosamente, a Maya só concorda com ela própria nas previsões para a minha vida profissional. Mas hoje é Domingo, e de pouco me adianta este auto-consenso. De resto sei apenas que me podem acontecer várias coisas que também podem não acontecer.

Fez-me lembrar algo que li numa revista que a minha avó tinha em casa, quando eu era miúdo: os números da sorte para jogar na lotaria, determinados por um astrólogo qualquer. O que me ficou na memória foi serem números diferentes para cada signo...

*Quando o dia e a noite são de igual duração. Há um no inicio da primavera e outro no inicio do outono.
1- http://astrologia.terravista.pt/
2- http://astrologia.sapo.pt/homepage
Mais informação sobre o calendário Gregoriano e os signos zodiacais.

sábado, abril 21, 2007

Quando, e quanto, pagar?

Defendo que os «direitos de autor» não são direitos mas privilégios que a sociedade deve conferir com relutância e só para o benefício de todos. E sou contra o direito exclusivo de copiar musicas, filmes ou livros. Mas vou tentar explicar que critérios sigo para decidir quando e como conceder estes privilégios, com um exemplo extremo: a indústria farmacêutica.

Para um novo medicamento não basta uma boa ideia, ou uma viola e um maço de tabaco. É preciso anos de investigação dispendiosa, e grande parte deste investimento é exigido por uma sociedade que não quer medicamentos de eficácia e segurança duvidosa. É justo que a sociedade esteja disposta a compensar este investimento concedendo um privilégio económico a quem o fez primeiro. E este privilégio regula apenas a concorrência no mercado, e não a actividade privada de indivíduos.

Compor um livro ou escrever uma música está no extremo oposto. Não requer um investimento significativo e é viável que o artista financie o seu trabalho com encomendas antecipadas. Ninguém vai comprar o antibiótico dez ou quinze anos antes de estar disponível, tempo que normalmente demora a aprovação de um novo medicamento. Também é viável que o estado subsidie directamente os artistas, concedendo bolsas como faz para estudantes ou jovens investigadores. Subsidiar desta forma a industria farmacêutica é deitar água ao poço.

O sistema de patentes não é perfeito. Há muitos casos em que as patentes prejudicam mais do que beneficiam. Também aqui seria de analisar custos e benefícios para eliminar o que está a mais. Mas uma patente de 20 anos sobre algo que demora 10 a desenvolver é mais razoável que um direito exclusivo de cópia até 120 anos após a morte do autor. Especialmente considerando que a patente restringe apenas actividades comerciais enquanto o copyright pode até condenar um miúdo por sacar músicas da ‘net.

A criação artística não justifica o custo de conceder direitos exclusivos sobre cópias. O financiamento necessário é modesto e pode ser obtido de outras formas, estes privilégios violam a privacidade e liberdade de expressão de todos e, sobretudo, prejudicam a própria criação artística. O direito de cópia é também um direito de exclusividade sobre obras derivadas, mas em arte todas as obras são derivadas. Tradicionalmente, grande parte da criatividade artística consistiu em fazer o que outros tinham feito, mas melhor ou de forma diferente. Hoje é apenas uma interpretação incoerente do copyright que o permite. Considera-se obra original cada uma das centenas de clones do «E nós pimba!», mas é violação de copyright usar 3 segundos de uma música noutra totalmente diferente.

No final do século XIX decidiu-se conceder ao autor exclusividade comercial por sete anos para financiar a impressão e distribuição de livros. Cada página era impressa compondo o texto com letras individualmente esculpidas em cubos de chumbo. Transportados por carroça e barco a vapor, os livros demoravam uma boa parte dos sete anos a chegar a todos os compradores. A situação hoje é diferente. O custo e tempo de produção e distribuição não justificam sequer esses sete anos de monopólio comercial. Mas concede-se mais de um século de direito exclusivo sobre tudo e mais um par de botas. É um abuso inaceitável.

É por isto que eu acho que o direito de autor sobre músicas ou livros devia ser como o direito de autor sobre aulas, descobertas científicas, fórmulas matemáticas ou receitas. O direito moral de ter a sua autoria reconhecida, mas nunca o direito legal de proibir outros de usar ou disseminar informação que é pública. Se for necessário um incentivo para além daquele que um mercado livre já concede, então que seja apenas comercial, por um período limitado e beneficiando exclusivamente o autor.

Crianças mortas suspiram de alívio.

A Igreja Católica aboliu oficialmente o limbo. Não a dança, que ainda é tolerada, mas aquele sofre que não sofre onde ficavam as almas das crianças que morriam sem baptismo.

A notícia no Público (1) não diz como se determinou o destino destas almas. Experimentalmente, parece difícil. Mas as fontes asseguram-nos que «os factores analisados oferecem suficiente base teológica e litúrgica para acreditar que as crianças que morrem sem ser baptizadas "se salvarão e gozarão da visão beatífica"». Ora bem. Se os factores oferecem suficiente base teológica, a conclusão deve ser sólida e fiável.

E esperemos que tenha efeito retroactivo. No tempo de Santo Agostinho essas crianças iam para o inferno. Deve-se agora rever os seus processos e compensá-las pelos séculos de sofrimento indevido, talvez com um gozo acrescido da visão beatífica.

Mas nem tudo é bom nesta decisão. Também se aplica aos «que não nasceram ao serem vítimas de abortos». Um gesto simpático mas que cria um dilema doloroso aos pais católicos. Abortar o feto garante-lhe a salvação, mas deixar a criança nascer expõe-na à possibilidade de pecar e de ser condenada ao sofrimento eterno. Eterno. Porque, a menos que uns bispos mudem outra regra qualquer, quem vai para o inferno nunca mais de lá sai.

Mas os pais que optem pela única forma segura e legal de garantir o paraíso aos seus filhos serão condenados ao inferno. O que será pior? Sofrer eternamente sabendo que todos os filhos estão no paraíso, ou estar no paraíso sabendo que, para lá chegar, pode ter condenado os filhos ao sofrimento eterno?

Quanto mais aprendo sobre religião mais me agrada o ateísmo.

1- O Público, 20-04-07, Igreja Católica elimina o limbo para crianças que morrem por baptizar

quarta-feira, abril 18, 2007

Infinitos aos montes.

O Bernardo Motta propôs três axiomas a propósito da doutrina trinitária (1). Como dois são sobre o infinito vou fazer um pequeno desvio pela matemática. Coisa leve, prometo, até porque a minha matemática é fraca. Os axiomas:

«Axioma 1: o finito não pode conter o infinito.
Axioma 2: a existência do finito é consequência do infinito.»


Os números naturais são 1, 2, 3, e assim até nunca mais. Os números racionais são aqueles que são razão de dois números naturais: 1/2, 3/4, 1255/7996, também até nunca mais. Ambos os conjuntos são infinitos, e têm o mesmo número de elementos.

É estranho, porque entre quaisquer dois racionais (ou dois naturais), há um número infinito de racionais. Mesmo assim, podemos fazer corresponder cada racional a um natural, demonstrando que há tantos naturais como racionais. Estranho, mas sendo conjuntos infinitos alguma estranheza era de esperar.

Mas há mais estranho. Os irracionais são dízimas infinitas não periódicas, números que nunca se acaba de escrever. Como a raiz quadrada de 2 (1.414213562373095048801688724209...) ou pi (3.141592653589793238462643383279...), que não podem ser escritos como uma razão de dois inteiros. Não é de estranhar que também haja uma infinidade deles. O estranho é que são mais infinitos que os outros.

Imaginem que criamos uma lista ordenada com todos os irracionais entre zero e um. Ou seja, todos os números que são zero, vírgula, e uma carrada de dígitos que nunca mais acaba. São infinitos, mas vamos assumir que temos papel que chegue. Agora criamos um número irracional entre zero e um escrevendo zero, vírgula, qualquer dígito menos o primeiro digito do primeiro número da lista, depois qualquer dígito menos o segundo digito do segundo número da lista, e assim por diante. E temos um número irracional entre zero e um diferente de todos os irracionais entre zero e um. Uma contradição!

Ou seja, é impossível criar uma lista de irracionais entre zero e um, mesmo que a lista seja infinita. Estes são ainda mais infinitos que isso. E nem sequer são o mais infinito que há... Há uma infinidade de infinitos.

O primeiro axioma do Bernardo está correcto, mas incompleto. O infinito também não pode conter o infinito. Cantor, o matemático que ficou famoso por estas demonstrações, associava Deus ao infinito absoluto. O maior de todos os infinitos. Mas mesmo ele admitia que era uma noção incoerente. Não pode haver o infinito maior que todos porque há sempre um infinito maior.

E o segundo está errado. O infinito é que é um conceito derivado do finito. Não é por haver infinitos números naturais que eu posso ter três laranjas. É das três laranjas, e cinco pedras, e oito ovelhas que nós fomos generalizando o conceito de número, e de uma infinidade de números naturais, racionais, irracionais que nunca mais acaba. Mais que infinitos.

1- 11-4-07, Investigação Científica dos Mafaguinhos.

Mais informação sobre estes número estranhos:
Alexander Bogomolny, What is a number?
E sobre Georg Cantor:
Wikipedia

Um diálogo.

A ciência e a religião não estão sempre em conflito. Também há diálogo.

- Que universo fabuloso! Estrelas, planetas, árvores, praia, areia... como terá surgido tudo isto?

- Foi Deus quem criou tudo, meu jovem.

- Tudo? Cada estrela e cada grão de areia?

- Sim, tudo, até ao mais pequeno grão de areia.

- Mas como?

- Isso é um Mistério que nunca poderemos desvendar.

- Mas os grãos de areia são pedaços de conchas e rochas partidas, formaram-se por processos naturais.

- Ah, pois. Sim. Mas Deus criou as conchas.

- Não... os moluscos é que criam as conchas.

- Mas Deus criou os moluscos.

- Não deve ter sido. Tudo indica que os moluscos e outros animais evoluíram de antepassados comuns. Veja o registo fóssil, como se agrupam as semelhanças e diferenças entre organismos, as árvores filogenéticas, as...

- Sim, sim. Genéticas. Isso tudo está muito certo, jovem, mas foi Deus quem criou a vida.

- Não... a vida é um conceito algo arbitrário, e a evolução apenas precisa de sistemas que se dupliquem herdando características. Vírus e moléculas orgânicas simples podem fazer isso, mesmo sem estarem vivas. A vida em si foi produto da evolução.

- Mas só Deus pode ter criado os átomos que formam essas moléculas orgânicas.

- Estrelas.

- Hã?

- Esses átomos formaram-se nas estrelas, por processos naturais, sem precisar de deuses.

- Sim, sim, era isso que eu queria dizer, meu jovem. As estrelas, e toda a matéria do universo, foi inicialmente criada por Deus. Como se sabe, do nada apenas pode vir nada.

- Pois, mas curiosamente a energia contida em toda a matéria do universo é compensada pela energia negativa do campo gravitico que essa matéria gera. Somando todas as parcelas, o total de energia no universo é zero. A hipótese mais plausível e mais bem suportada é que este nada se expandiu como consequência de uma flutuação quântica, como previsto pelo principio de incerteza.

- Ora aí está! Foi Deus quem causou essa flutuação quântica.

- Não pode. Este tipo de acontecimento não tem causa. O conceito de causalidade nem se aplica.

- Não tem causa. Muito bem. Mas, mesmo assim, foi Deus quem o causou!

- Mas como é isso possível?

- Isso é um Mistério que nunca poderemos desvendar.

Leiam este...

«Os pressupostos», sobre o pensamento cientifico, filosófico e religioso. Este texto do Desidério Murcho no De Rerum Natura só tem um defeito: não encontro nada com que discordar. Bolas.

terça-feira, abril 17, 2007

Ciência, Filosofia e Religião.

Há uns posts atrás (1) descrevi o papel da filosofia como sendo formular perguntas que, a ser respondidas, são respondidas pela ciência. O António Parente considerou isto um ataque à filosofia:

«defendo a filosofia tal como defendo a religião. Vencida a religião, o alvo seguinte é a filosofia. Morta a filosofia, viveremos no mundo perfeito de Richard Dawkins»

Estranha interpretação. Ao contrário do que defendem muitos crentes, não se pode obter respostas sem perguntas. A minha descrição não era um ataque. Era o reconhecimento do papel fundamental da filosofia na investigação antes de esta ser científica. E o António demonstrou não compreender o processo:

«Se o Ludwig deparar com um sapo num charco não precisa que um filósofo venha perguntar "Que animal é aquele?" ou "O que é um sapo?" para começar o estudo da espécime. O Ludwig pega no animal, retalha-o, disseca-o, cobre-o de químicos, atira-o ao ar para ver se a lei da gravidade actua e no fim conclui, sem ajuda de ninguém: "é um sapo e é fruto do acaso»

Encontro um sapo. Peso-o, disseco-o, cubro-o de químicos. Atiro-o ao ar, apanho-o do chão (aos pedaços, porque o dissequei primeiro), limpo do cabelo os químicos com que o tinha coberto antes de o atirar e concluo... nada. Sem uma hipótese a testar, sem uma pergunta para responder, a experiência é inútil. A ciência começa antes de retalhar o sapo, formulando uma hipótese concreta e testável. E para ser concreta e testável tem que ser uma hipótese bem compreendida. Sem uma boa pergunta não posso encontrar uma boa resposta.

«O sapo está vivo?» é uma pergunta científica porque é testável. «O sapo sente dor?» está entre a filosofia e a ciência. A ciência dá uma ideia do tipo de estruturas neuronais associadas à dor, mas a filosofia mostra que a pergunta é difícil de responder porque sentir dor é subjectivo. Não pergunta se o sapo reage como se sentisse dor mas se a sente, e disso sabemos pouco. O suficiente para uma opinião provisória (não tem córtex, não deve sentir nada), mas longe de ter uma hipótese testada que mereça confiança. E «como será ser um sapo?» é uma pergunta filosófica. Está tão desligada do que conhecemos que ainda falta perceber a pergunta antes de a tentar responder.

Mas da filosofia à ciência o processo é contínuo, e já foi repetido em muitos domínios. «De que é feita a matéria?» era uma pergunta filosófica até se compreender o suficiente para formular hipóteses testáveis e, eventualmente, um modelo científico bem fundamentado. Há séculos que andamos nisto, avançando mais nuns domínios que noutros. E cada avanço levanta mais perguntas que é preciso compreender, e, uma vez compreendidas, tentar responder. Perguntas filosóficas que se transformam em perguntas científicas que dão respostas científicas e levantam novas perguntas filosóficas.

Nem a filosofia pode vencer a ciência nem a ciência vencer a filosofia. São ambas parte do mesmo processo de compreensão. Mas o António tem razão em se preocupar com a religião, que sempre foi a roda quadrada desta carroça. A religião assume que já sabe as respostas e nem sequer gosta de perguntas. Enquanto as outras se ajudavam e avançavam a religião ficou na mesma, cada vez mais isolada da realidade.

Há quem aplique o rótulo de «filosofia» a tudo desde a teologia à psicanálise, como há quem chama «ciência» à astrologia ou ao estudo do espírito santo. E há quem proponha que a ciência, a filosofia, e a religião sejam três dimensões diferentes da razão. É tudo treta. A filosofia e a ciência são uma só «dimensão» da razão, com a qual compreendemos a realidade. As outras «dimensões» só servem para o resto.

1- 16-4-07, Dimensões da Razão.

Pagar ou não pagar.

O António apelou à «necessidade de garantir que a execução individual, criativa, de um trabalho artístico não acaba a gerar rendimento no sitio errado.». Concordo com isto para qualquer trabalho. O médico deve auferir um rendimento por me tratar a perna. É o rendimento certo no sítio certo. Mas receber cada vez que eu dou um passo é rendimento no sítio errado. A internet é um bom exemplo: um conjunto de ideias que permite um negócio de milhares de milhões sem que os criadores dos protocolos, formatos, e algoritmos recebam qualquer percentagem. Quando um músico vende a sua obra online não paga um centavo a quem inventou o TCP/IP e HTTP, o HTML e CSS da página, o FTP que envia o ficheiro para o cliente, ou o RSA que protege a transacção.

O João Vasco diz que o meu exemplo das receitas é «péssimo, porque ninguém [...] tem como profissão "criar receitas".» O exemplo é excelente (modéstia à parte) precisamente por isso. Demonstra que a necessidade de compensar o criador não implica pagar-lhe cada vez que alguém usa o que ele criou. O fundamental é compensar o trabalho de criação como se compensa qualquer trabalho. Muita gente ganha dinheiro a inventar e executar receitas, mas não há leis especiais para alguém receber dividendos das receitas que criou.

E não há essas leis porque não interessa à sociedade conceder monopólios sobre o pão com manteiga, fiscalizar pequenos almoços, cobrar licenças e essas coisas só para enriquecer o gestor de direitos da receita. Nem estaria o rendimento no sítio certo, nem seria um incentivo à criatividade culinária. Seria um fardo social inaceitável e sem utilidade pública. O princípio geral aplica-se às receitas: trabalha-se, recebe-se. Trabalhou-se e vai-se recebendo é um anacronismo excepcional criado pelo poder político de certas indústrias (ou pelos caloteiros, noutros casos).

Ninguém faz negócio com esculturas de areia na praia pública, a vender músicas para cantar no duche, a inventar lenga-lengas para entreter crianças, e muitas outras coisas que só com legislação especial é que poderiam ser fonte de rendimentos. Não é do interesse da sociedade forçar pessoas a pagar por olhar para a areia, ou por cantar no duche, ou por entreter os seus filhos. Não tem nada a ver com a criatividade destas actividades, mas somente com a relação entre custos e benefícios para a sociedade.

Restringir a distribuição gratuita de conteúdos digitais é um mau negócio para a sociedade. Implica conceder monopólios sobre a álgebra, que é tão pública como a areia da praia, e fiscalizar as comunicações entre indivíduos, que são tão privadas como o duche. E só para compensar os músicos pelo trabalho que outrora fizeram em vez de lhes pagar pelo trabalho que fazem. Não vale a pena, e a única coisa boa das leis de copyright digital é serem impossíveis de aplicar.

segunda-feira, abril 16, 2007

Sem direitos sobre cópias.

O António colocou uma questão que surge em muitas discussões sobre copyright:

«Quem cria, se não retém os direitos, e/ou não os pode vender, não tem proveito possível, e a actividade está condenada à extinção.»

É fácil ver que isto é falso no caso geral. Se fosse verdade não haveria Linux, nem matemática, nem investigação científica. Não haveria receitas ou notícias. Nem sequer tinha havido música antes de 1887, quando não havia nada parecido com o direito de monopólio que há hoje. Mas consideremos o caso particular do tipo de música que haveria agora se não houvesse qualquer direito sobre cópias.

Um músico seria como um cozinheiro ou um cientista, criando algo que a lei permite que se copie livremente, e recompensado pelo trabalho que faz quando o faz, em vez de quando outros tiram proveito da sua criatividade. Isto iria alterar significativamente a indústria discográfica, mas é importante salientar que a alteração não seria nem injusta nem discriminatória. Pelo contrário; faria da profissão de músico uma profissão como qualquer outra.

Na verdade, para o músico a situação financeira seria semelhante. Tal como acontece hoje em dia, a rádio e os CDs seriam mais um meio de divulgação que de rendimento. A distribuição também não seria muito afectada, a julgar pelo que acontece com o software livre: há vários distribuidores de sistemas operacionais e aplicativos open source que fazem negócio a vender conteúdos de cópia livre. A maior diferença seria no modelo de promoção, fabrico de artistas e manipulação de mercado de que dependem as empresas discográficas. Esse deixaria de ser rentável sem o direito exclusivo de controlar as cópias. Mas esse negócio é um impedimento à criatividade artística, e a música passa bem sem ele.

Isto se se abolisse todo o monopólio sobre a cópia. Mas entre esta opção e a situação que temos hoje há muitas alternativas. Por exemplo, garantir ao artista uma percentagem sempre que alguém compra um CD ou uma música, o que não exigiria interceptar comunicações ou controlar o que as pessoas fazem em suas casas. Este benefício podia ser concedido apenas por poucos anos para incentivar a distribuição rápida e não permitir abusos. A distribuição gratuita para o consumidor seria livre, pois seja rádio, internet, P2P, bares ou cabeleireiros é uma forma de promoção que beneficia o artista e não carece de incentivos especiais.

Em suma, o efeito de abolir os direitos de cópia é simplesmente impedir este monopólio, o negócio de comprar direitos de autor e viver dos rendimentos. Mas isto não prejudica a música. Pelo contrário. É um incentivo para a inovação artística que o artista ganhe o seu dinheiro exercendo a profissão, como fizeram Bach e Beethoven, e como faz hoje em dia qualquer cientista, estilista, ou cozinheiro.

Confesso que a minha perspectiva é tendenciosa. Como professor e investigador estou habituado a não esperar grandes rendimentos, a trabalhar principalmente porque gosto do que faço, e a oferecer o que produzo sem cobrar, sejam os posts no blog, os slides das aulas, os artigos, teses, ou mesmo o software que passei anos a escrever. Mas parece-me que é esta atitude que devemos fomentar se queremos incentivar a criatividade.

Dimensões da Razão.

O Papa Bento XVI juntou-se ao crescente grupo dos que criticam a teoria da evolução sem perceber o que é a evolução, a teoria, ou mesmo a ciência (1). Os erros são os do costume. Antropomorfismo («quem é esta ‘natureza’ ou ‘evolução’ como sujeitos?»), confundir selecção natural com acaso, evolução como visando um propósito racional, e até a tal argolada de não poder ser provado porque não se pode fazer em laboratório.

Esta merece um comentário. Não testamos uma ponte de três quilómetros num laboratório com rio, vento e tempestades durante trinta anos. A ciência permite extrapolar do estudo detalhado dos materiais a pequena escala o que vai acontecer à ponte mesmo antes de a construir. Todos os dias críticos da ciência como o Papa confiam a vida a edifícios e máquinas que foram testados desta forma, por extrapolação. E têm uma fé tão inquestionável na ciência que nem se apercebem dela. Conduzem na auto estrada a 120km/h com mais confiança que teriam se o carro tivesse sido construído por inspiração divina.

Mas o que me traz aqui são as «diferentes dimensões da razão», uma ideia que este Papa gosta muito. Diz que há certas perguntas que estão fora do domínio da ciência, só podem ser respondidas pela filosofia, e não podem deixar de fora a fé. Ora isto não faz sentido. Todas as questões filosóficas que foram respondidas foram respondidas pela ciência. É esta a relação histórica entre filosofia e ciência. A filosofia perguntou de que era feita a matéria, o que é o espaço e o tempo, se as coisas mudam ou se a mudança é ilusória, se tudo tem causa, e assim por diante, e a ciência foi respondendo conforme foi revelando o suficiente acerca do universo para colocar estas perguntas de uma forma concreta, detalhada, e testável.

A filosofia ainda tem muitas perguntas sem resposta, acerca da ética, da consciência, do conhecimento e até acerca da ciência e da filosofia em si. Mas em geral a filosofia coloca perguntas, não dá respostas. Não sabemos as coisas por especulação filosófica, mas sim por investigação científica. E a fé, por muito que a tentem enfiar no processo, nunca deu qualquer contributo. Martela sempre na mesma tecla, que está cada vez mais gasta.

Bento XVI aceita com relutância a teoria da evolução, que diz que todas as espécies modernas surgiram por um processo natural, cego, sem propósito. Ao mesmo tempo diz que há outra dimensão da razão em que foi exactamente o contrário. É tão absurdo como aceitar a astronomia moderna e defender que, noutra dimensão da razão, a Terra está no centro do universo, é plana, e assenta em quatro elefantes e uma tartaruga.

Não há várias dimensões da razão. Há apenas a necessidade de alguns de arranjar um cantinho onde esconder as suas superstições das evidências que as refutam. E isso não é razão; é precisamente o contrário.

1- Reuters, 11-4-07, Pope says science too narrow to explain creation

domingo, abril 15, 2007

Direitos e Incentivos

Já escrevi sobre isto antes, quando ninguém aqui vinha (1, 2). Mas num comentário recente o leitor que assina António deu exemplos de duas confusões que, por serem quase universais, me parecem o maior obstáculo para resolver com justiça os problemas dos direitos de autor.

Primeiro, confundir o direito de autor com o direito de propriedade, e assim tratar da mesma forma a regulação comercial e o uso pessoal. Se me roubam as calças eu fico sem elas, e é disso que o direito de propriedade me protege. Não interessa se roubam para vestir ou para vender. Mas não me podem privar de uma ideia, que não é um bem material escasso. Ideias podem ser partilhados sem ninguém ficar com menos.

Se ouço música sem pagar não estou a tirar nada ao autor. Nem as calças, nem a música, nem dinheiro. O alegado prejuízo é um custo de oportunidade: ele podia ter-me vendido algo que não comprei. Mas ele não tem o direito de vender como tem o direito que não lhe roubem as calças. Só é legítimo vender a alguém que queira comprar, e qualquer um tem o direito de não comprar se não quiser.

Por isso não faz sentido haver leis que protejam o «direito de vender» obrigando a comprar, seja por proibir que se cante no duche ou que se faça fotocópias para um amigo. No máximo, que se regule as vendas para que seja o autor a vender, mas sempre respeitando a compra como acto voluntário. Compre para não ir preso não é comércio livre.

O outro problema é confundir o direito de autor com o direito de ser remunerado pelo trabalho que se faz. O artista presta um serviço, e tem o direito de ser pago como qualquer outro profissional: pelo serviço que presta. O médico é pago pela cirurgia e não por cada dia que o paciente viva. O professor é pago pelas aulas e não pelo ordenado que o aluno vai ganhar. O compositor tem exactamente o mesmo direito. Ironicamente, são os direitos de autor que privam o autor desse direito. Se o compositor recebe um ordenado para criar uma música o «direito de autor» reverte para o cliente, que agora é dono da música e pode até proibir o autor de a tocar.

O cliente que compra um bem ou serviço é dono de uma instância específica, não da categoria toda. Aquela viagem, aquela operação. Médicos e agências de viagens podem cobrar cada vez que prestam o mesmo serviço. Um compositor não. Se cobra por compor uma música fica sem direitos sobre uma categoria de músicas. Os médicos e agentes de viagens estão safos porque ninguém pode ser dono de categorias como todas as viagens a Cuba ou todas as apendectomias. O músico está tramado porque alguém pode ser legalmente dono da categoria de todas as músicas semelhantes àquela que encomendou.

Este modelo de direitos de autor foi criado para subsidiar e regular a distribuição, o fabrico de discos e a impressão de livros. Mas foi apropriado por uma industria que convenceu o público que a música, como arte, é inventar uma melodia engraçada e não fazer mais nada o resto da vida, a ganhar 5% da venda de cada CD. A composição colectiva, a obra derivada ou adaptada, o improviso, a actuação ao vivo, e o músico como um artista profissional que recebe pelo trabalho que faz, tudo isso sai a perder neste sistema perverso. Um sistema que avalia a inovação artística pelo número de cópias vendido, e que exige leis para coagir o comprador alegando que isso é que é justo.

A solução é acabar com esta treta. Restringir os direitos de autor a certas aplicações comerciais onde são necessários para garantir a produção e distribuição de certos produtos (CDs, filmes, livros). Mesmo nesses casos, com âmbito e duração limitados para promover a distribuição sem impedir a criatividade. E deixar de fora tudo o que não tiver fins lucrativos. Isto vai inviabilizar a máquina que produz Spice Girls e Backstreet Boys, Mas é bom para a música como arte deixar o público investir em mais artistas e espectáculos que em meia dúzia de fenómenos publicitários com milhões de CDs iguais vendidos à cópia.

1- 6-6-06, Os direitos do autor...

2- 9-6-06, ...e o autor de direito.

sábado, abril 14, 2007

1+1=2

Toda a gente sabe. Até uma máquina de calcular, se escrevemos 1+1=, responde logo 2. Mas não dizemos que a máquina sabe, porque lhe falta uma percepção subjectiva do que está a fazer. A sua resposta é mecânica, sem compreensão.

Por outro lado, um rato tem percepção subjectiva de muitos uns que somaram e deram dois. Um pedaço de queijo mais um pedaço de queijo são dois pedaços no bucho. Mas falta ao rato abstrair o 1+1=2 com que a máquina calcula que um político corrupto mais um político corrupto dá dois políticos corruptos, sem saber o que são políticos corruptos.

Nem o rato nem a máquina sabe que 1+1=2, mas nós sabemos porque juntamos os dois aspectos, enraizando o abstracto na percepção. O 1 é o que abstraímos de uma laranja, um quilo de arroz, um cardume de sardinhas, o + de tudo o que juntámos, o = das comparações que fizemos. O rato tem experiências em que coisas concretas se juntam aos pares. A máquina tem um mecanismo para responder 2 a 1+1=. Nós temos conhecimento que 1+1=2.

Alguns dirão que este conhecimento permite conhecer outras coisas por um processo puramente abstracto. Por exemplo, que um zebedoing mais um zebedoing dá dois zebedoings. Mas não permite.

Em primeiro lugar, essa extrapolação exige um processamento mecânico dos símbolos, como a máquina de calcular. O símbolo «zebedoing» é estranho ao nosso conhecimento, como o «2» ao conhecimento da máquina. Podemos calcular, mas continuamos sem conhecer.

Em segundo lugar, pode nem dar dois zebedoings. Afinal, uma banana mais um quilo de açúcar não dá dois de coisa nenhuma, e um cardume mais um cardume dá um cardume. Consta que a álgebra de Boole, na qual 1+1=1, foi inspirada pelos rebanhos de ovelhas do sul da Irlanda. Só quando «zebedoing» estiver ligado a alguma percepção é que podemos testar (empiricamente) a hipótese que 1+1=2 é uma álgebra adequada aos zebedoings. E só então teremos mais conhecimento.

Conhecer é abstrair ideias de observações e aplicar ideias a observações. É sempre ideal e empírico. Separar o conhecimento em empírico e a priori é como separar a água em hidrogénio e oxigénio. Pode-se fazer. Nem é proibido. Mas deixa de ser conhecimento.

quinta-feira, abril 12, 2007

Miscelânea Criacionista: a árvore da vida.

No século XVIII, Lineu criou um sistema hierárquico para classificar os seres vivos. Teve tanto sucesso que ainda hoje é usado. Agrupa espécies mais parecidas em géneros, os géneros mais semelhantes em famílias, as famílias em ordens, ordens em classes, e assim por diante. O sucesso deste sistema é revelador porque, em geral, não é possível classificar coisas desta forma.

Por exemplo, não conseguimos criar um sistema destes para os objectos que encontramos em casa. Podemos agrupar objectos semelhantes, o equivalente à espécie de Lineu. Facas, colheres de pau, cadeiras, e assim. Mas os outros níveis da taxonomia são um problema. Cada característica que se escolha dá um agrupamento diferente. Se é por material ficam as colheres de pau com as cadeiras. Se é por peso fica a torradeira com os pratos. Se é por usar electricidade fica o candeeiro com o frigorífico. Conseguimos agrupar estes objectos só num nível, mas a forma como as características se distribuem por todos os objectos não permite uma classificação hierárquica. E isto é verdade para todos os objectos que sabemos ser fruto de criação independente, deliberada e inteligente. Carros, ferramentas, edifícios, etc.

Noutros casos é o oposto. Numa família parentes mais próximos partilham mais características que parentes afastados. A língua Portuguesa pode ser agrupada com o Galego, com outras línguas da península Ibérica, línguas derivadas do Latim, e assim por diante. Tudo o que provém da diferenciação gradual de um antepassado comum pode ser agrupado num sistema hierárquico que é evidente pela distribuição de características pelos vários elementos. Qualquer punhado de palavras ou elementos gramaticais vai mostrar que o Português é mais próximo do Francês que do Tibetano. Nestes casos os grupos estão claramente aninhados dentro de grupos do nível superior.

Passa-se o mesmo com os seres vivos, e o que Lineu descobriu é ainda mais evidente com os genes. Por si só isto já refuta o criacionismo. O criacionismo propõe uma criação inteligente e independente para os seres vivos, como os talheres e a torradeira. Mas é inconcebível que milhões de espécies criadas desta forma se agrupem exactamente como se descendessem de um ancestral comum. É de rejeitar que as línguas Europeias tenham sido criadas cada uma de acordo com o seu tipo, sem um passado comum. Dezenas de línguas nunca teriam estas relações entre si por mero acaso. Imaginem o mesmo problema com milhões de espécies em vez de dezenas de línguas e têm uma ideia de como a hipótese criacionista é ridícula.

Para mais informação, ver:
Douglas Theobald, 2004, 29+ Evidences for Macroevolution, Part 1: The Unique Universal Phylogenetic Tree.

A Moda não está na moda...

... porque a moda agora é a protecção dos direitos de autor, e na moda não há disso. Quem afirma que o copyright é essencial à criatividade nunca menciona que aquele só se aplica a elementos decorativos ou artísticos sem utilidade prática. Tudo o que é utilitário não é coberto pelo copyright. Nas roupas a lei só protege a marca.

E este é o segredo do sucesso desta indústria (1). Quem quer andar na moda compra roupa quando a moda muda, e não espera que a roupa que tinha se estrague. E a moda é um fenómeno de massas; da mini-saia às calças descaídas é quando uma data de estilistas oferecem a mesma coisa que um monte de pessoas começa a usá-la. Sem terem que se preocupar se a roupa sai igual à de outro estilista, e sem terem que esperar 120 para poder fazer uma roupa parecida, a indústria cospe a cada estação uma moda (mais ou menos) nova que muito agrada aos consumidores, estilistas, fabricantes, e accionistas.

A música popular tem as mesmas características. É uma moda. Mas o proteccionismo do copyright abafa a criatividade, e prejudica a industria. Não pode ser, dirão alguns, porque se assim fosse bastava ignorar o copyright e ficava tudo melhor. Pois é o que cada vez mais artistas fazem. Mas aos distribuidores isso não interessa.

As marcas de roupa têm que tratar bem os estilistas. Como ninguém é dono do design nada impede o estilista insatisfeito de ir estilar para outro lado. As empresas discográficas têm mais sorte. Graças ao copyright, são donas de tudo o que os artistas criam. Por muito mal que a industria esteja, isto só lhes tiram partindo os dedos ao cadáver deste modelo de distribuição. Felizmente, já não falta assim tanto.

Nesta nota, fica este clip, roubado de um post do Miguel Caetano no Remixtures (2). Espero que o valor utilitário dos conselhos do Dick Dale (3) me safem de um processo por violação de copyright...






1- Techdirt, 10-4-07, More Research Shows How The Fashion Industry Is Helped By The Lack Of Intellectual Property Rights

2- Miguel Caetano, 6-4-07, Diz não aos contratos com companhias discográficas

3- Wikipedia, Dick Dale

Teoria e Observação.

Ocorreu-me que as discussões que tenho tido com o Santiago (1), o Desidério Murcho (2) e o Bernardo Motta (3) têm em comum a ideia que se pode separar claramente a teoria da observação. Vem-se a arrastar desde Platão mas, finalmente, penso que podemos enterrá-la de vez.

No último século percebemos que a percepção e o pensamento fazem parte do mesmo mecanismo neurológico, e que a própria consciência é uma forma de percepção. A lógica, matemática e computação mostraram que a razão pura se limita ao que o computador faz: manipular símbolos ou os seus equivalentes sem lhes atribuir significado. São zeros e uns, electrões no circuito, ou contas no ábaco, e mais nada. E fomos forçados a rever até conceitos que pareciam imutáveis e transcendentes, como o espaço e o tempo.

No conhecimento não há uma distinção clara entre empírico e ideal, entre a teoria e a observação. Ver o vidro partir não é uma observação pura, mas uma inferência dependente duma teoria que relaciona a percepção com o acontecimento. O vidro parte, a luz incide na retina, os impulsos nervosos chegam ao cérebro, e isso gera a percepção de ver o vidro partir. É desta teoria que infiro que vi o vidro partir mesmo.

Mais importante, também não há teoria pura. Se o acontecimento A ocorre antes de B, então ocorre antes de B para qualquer observador. Se é antes, não pode ser nem ao mesmo tempo nem depois. Isto seria aceite como conhecimento puramente teórico, ideal, a priori, até 1905. Mas a relatividade mostrou que esses conceitos de antes e depois não são adequados. Se A ocorre em Marte, e B ocorre na Terra cinco minutos depois no referencial da Terra, há outros referenciais nos quais B ocorre uns minutos antes de A, ou ao mesmo tempo. O tempo, o antes, e o depois, não são iguais para todos. Mudando os conceitos, muda a teoria, e torna-se evidente que tanto os conceitos como a teoria dependiam de algo empírico.

Para que a teoria seja acerca de algo temos que dar significado aos conceitos e isto mistura a teoria com a observação. A teoria passa a depender de resultados empíricos, e todo o conhecimento que dela deriva é conhecimento empírico: provisório, refutável por observações contraditórias, e adequado conforme corresponde ao observável.

O supra-empírico é treta porque não pode haver nada puramente ideal que seja mais que mera manipulação de símbolos sem significado. O a priori não pode ser conhecimento sem assentar no empírico, deixar de ser a priori, e adoptar todas as características do conhecimento empírico. E a premissa naturalista não passa de uma conveniência, pois nem sequer há uma forma platónica da ciência para conter essa premissa. É útil, mas sujeita a revisão como qualquer outra hipótese científica.

Eu proponho que todas estas confusões, e provavelmente outras, se resolvem compreendendo que não se pode separar o empírico do ideal. Não há percepção sem ideias e não há ideias sem percepção. São dois aspectos indissociáveis do conhecimento.

1- 27-3-07, Os Limites da Ciência.
2- 30-3-07, Imaginação e Conhecimento.
3- 1-4-07. O Supra-Empírico.

quarta-feira, abril 11, 2007

A Blinologia do Supra-Empírico

Da autoria do blinólogo Mário Neto, que continua aqui a divulgar alguns aspectos menos conhecidos da Blinologia.

O supra-empírico, ou Ideal, é o reino da Realidade intemporal, necessária e absolutamente certa, em oposição ao reino da realidade aparente, contingente, e temporal que os nossos sentidos nos dão a conhecer. É o reino da Lógica e da Ontologia, no qual se pode afirmar com toda a certeza aquilo que é sem ter que considerar como o sabemos. Sabe-se, e pronto.

É assim que sabemos que os Blin existem. Podemos conceber algo tão Blin que nada pode ser concebido que seja mais Blin. Ora se esse algo não existisse, poderíamos conceber algo idêntico mas existente, e que, por existir, seria mais Blin que o Blin que não existe. Daqui se prova, a priori, que os Blin existem. É uma prova irrefutável por duas razões. Por não estar dependente do conhecimento empírico, que sabemos ser sempre falível, e por ser tão obscura e confusa que ninguém a pode refutar.

A Blínia Sagrada dá-nos um excelente exemplo: o Tremoceiro Poeta Que Existe. A visão do mundo empírico dada pelos nossos sentidos sugere que não existem tremoceiros poetas, mas está obviamente errada. A Blínia Sagrada não fala de um tremoceiro poeta qualquer, mas sim de um Tremoceiro Poeta Que Existe, e este necessariamente tem que existir, pela sua própria definição. Devemos também notar que no aramaico antigo, língua original da Blínia Sagrada, «tremoceiro» e «poeta» eram palavras distintas, muitas vezes usadas em contextos diferentes, o que atesta à riqueza e expressividade desta língua, e à sua capacidade de distinguir conceitos tão semelhantes que hoje em dia temos dificuldade em destrinçar.

O raciocínio a priori pode-nos conduzir à Verdade Absoluta se seguirmos três importantes passos. Primeiro, partir da conclusão à qual queremos chegar. Os cientistas andam muitas vezes à toa precisamente por dependerem daquilo que observam, e assim nunca sabem hoje que opinião terão amanhã. A Blinoligia é a ciência das certezas, daquilo que sabemos sempre a priori. Nunca na Blinologia se investiga sem saber onde a investigação nos vai levar.

Em segundo lugar, formular um argumento composto de um encadeamento de palavras que conduza um interlocutor de um ponto arbitrário á nossa conclusão. É importante que este argumento seja impecavelmente lógico, pois o supra-empírico é o domínio da Lógica, mas as premissas podem ser quaisquer. Se conduzem à conclusão certa, são forçosamente as premissas certas.

Finalmente, a Revelação do Ideal pode ser obscurecida pela atenção demasiado crítica às premissas do argumento ontológico. Por isso é importante mencionar algo como o significado de uma ou outra palavra numa língua antiga para dar ao interlocutor um contexto mais alargado, mesmo que completamente irrelevante.

Fica, no entanto, um aviso importante. Os argumentos ontológicos da Blinologia são válidos por estar de acordo com a Revelação e Fé Blínica, mas é preciso não tentar aplicar o mesmo método a crendices falsas como os deuses Gregos, Romanos, ou Hebraicos, pois nesse caso apenas resultará em falsidades absurdas.

Investigação Científica dos Mafaguinhos.

Muitos ridicularizavam os actos e crenças da Igreja Católica. Até agora. Hoje soube no Random Precision (1) que a Igreja tem um plano engenhoso para acabar com a ridicularia. O Baldrick diria mesmo que é cunning, este plano. Ora vejam o título da notícia na Agência Ecclesia (2):

«Santíssima Trindade... o maior mistério da fé.
Entrevista ao Presidente da Comissão Científica do Congresso sobre o Mistério Trinitário de Deus.»


São três mas é um. Isto é um mistério. Ninguém o compreende. Então faz-se um congresso sobre o mistério que ninguém compreende. Mas há mais. O congresso sobre o mistério que ninguém compreende tem uma comissão científica. E o presidente explica assim o tema do congresso:

«- O que é a Santíssima Trindade?
- Está-me a perguntar o que é o maior mistério da nossa fé … Ele resulta de Jesus Cristo se ter revelado como Filho de Deus, numa comunhão total e única com o Deus a quem chamava Pai e mesmo, em aramaico, Abba (que significa Papá), e com o Espírito Santo que procede simultaneamente do Pai e do Filho. Esta comunhão de Amor é de tal ordem que significa uma única identidade divina em que subsistem o Pai e o Filho e o Espírito Santo.»


Fabulosa explicação. Abba em aramaico é papá. E, quem sabe, talvez em aramaico até as canções dos ABBA façam sentido.

A Igreja Católica está imbatível. Ninguém consegue ridicularizar uma coisa destas. A Igreja confrontou corajosamente os que a ridicularizavam e venceu-os no seu próprio jogo. Rendo-me.

1- Luís Grave Rodrigues, 11-4-07, 1 + 1 + 1 = 1

2- Agência Ecclesia, 30-3-07, Santíssima Trindade...

terça-feira, abril 10, 2007

Einstein e a autoridade científica.

Já escrevi aqui sobre a ideia da ciência ser um dogma e o cientista o sacerdote que o defende (1). Mas quero mostrar com um exemplo de autoridade científica como esta difere da autoridade dogmática da religião. Todos conhecem este senhor, especialmente a fotografia da esquerda. É fácil ver nesta um sábio sacerdote da ciência.


Fotos tiradas da Wikipedia (2)


A da direita mostra Einstein como era em 1905, com um ar bastante menos sacerdotal. O jovem Albert de 26 anos trabalhava no gabinete de patentes em Berna enquanto concluía o seu doutoramento, e nesse ano publicou quatro artigos na revista Annalen der Physik. O primeiro foi sobre o efeito fotoeléctrico e a natureza quântica da luz, mostrando que os quanta introduzidos por Max Planck eram mais que um mero formalismo matemático, e que revelavam algo fundamental acerca da realidade.

O segundo artigo foi sobre o movimento Browniano, o deambular das partículas microscópicas em solução. Einstein explicou-o pelo impacto de átomos e moléculas, dando evidência directa à teoria atómica e um modelo matemático que descrevia este movimento.

O terceiro foi sobre a electrodinâmica de corpos em movimento, onde formalizou a teoria especial da relatividade (para referenciais em movimento uniforme), abrindo um dos principais campos da física moderna e eliminando de vez o incómodo éter luminífero em relação ao qual se mediria a velocidade da luz.

Finalmente, publicou um artigo sobre a equivalência entre matéria e energia, a famosa equação E=mc2. Qualquer um destes artigos seria o excelente culminar de uma carreira científica. O jovem assistente de inspector de patentes publicou os quatro no mesmo ano, com 26 anos de idade e a tinta ainda a secar no diploma de doutoramento. E foi só o inicio.

Muitos cientistas liam o que Einstein publicava, como muitos católicos lêem o que o Papa escreve. Mas a autoridade do Papa ou de outros sacerdotes vem do cargo que ocupam. A mesma coisa escrita por um inspector assistente de um gabinete de patentes teria pouco impacto na comunidade católica.

A diferença fundamental é que uma religião é um conjunto rígido de crenças e tradições e a ciência é um método para gerar e aperfeiçoar descrições da realidade. As religiões têm que ser fechadas, auto-contidas, e resistentes à inovação. A ciência tem que ser aberta a ideias novas, e procurá-las onde quer que apareçam. Enquanto a autoridade do sacerdote é uma autoridade institucional, a autoridade do cientista vem do seu mérito, das suas ideias, seja quem ele for, e é-lhe concedida pelas provas que deu de ter algo interessante para contribuir.

1- Eu, 2-3-07, Dogma e ciência.
2- Wikipedia, Albert Einstein

segunda-feira, abril 09, 2007

Feriados Religiosos?

Enquanto estive na terrinha a gozar o feriado um comentador anónimo propôs que os ateus deviam «lutar para que acabem os feriados religiosos[...]. Os crucifixos nas escolas também [...] estão a ser tirados.».

Eu sou contra alguns símbolos religiosos na escola por não serem apropriados. Uma pessoa pregada a uma cruz não é coisa que se ponha numa escola, seja o que for que simbolize. Também sou contra que a escola seja um ambiente religioso; a religião é séria demais para as crianças. Mas não me oponho a que os alunos conheçam os símbolos das várias religiões. Em suma, não sou contra os símbolos religiosos na escola, mas sim contra símbolos de violência gratuita e contra a escola religiosa. De resto, se os miúdos gostarem da imagem de um gordo sorridente com crianças ao colo não vejo mal nisso, desde que não os pressione a aderir a uma religião.

E feriados religiosos felizmente não há. Há feriados em que pessoas religiosas passam o dia na missa, mas não tenho nada contra isso. Nem contra isso, nem contra os domingos. Lutarei com afinco se me obrigarem a ir, e devia haver parques infantis à porta das igrejas para as crianças brincarem enquanto os pais ouvem o padre. Mas não me importo que os outros estejam na missa enquanto eu ando de patins com os meus filhos. Tenho alguma pena das crianças, é verdade. O tempo que temos para passar com os nossos filhos é pouco (é sempre pouco, por muito que seja) e não devia ser desperdiçado a ouvir sermões. Mas esse problema não se resolve acabando com os feriados.

quarta-feira, abril 04, 2007

Páscoas Felizes.

Vou estar offline uns dias, mas antes de ir ter com a família à terrinha quero desejar a todos uma boa Páscoa. Ou duas. Ao contrário do que muitos julgam, a Páscoa não é só aquele episódio confuso do senhor que morre, desmorre, morre de novo, volta a aparecer, diz que já vem, manda um pentecostes e dois mil anos depois ainda nada. Não. A Páscoa é também pessach, a passagem, que os Judeus celebram por ser uma das poucas vezes que escaparam por pouco. É que das outras vezes nem isso. Apesar de serem o povo escolhido não têm muita sorte, por isso celebram o que podem. E estas duas Páscoas mostram-nos o fundamento do Cristianismo. Mas começo pela história mais antiga.

Em traços largos, eis o que se passou. O Faraó viu que os Judeus eram mais e mais fortes que os Egípcios, então decidiu escravizá-los. Não é claro como o conseguiu, sendo mais e mais fortes. Mas foi assim e pronto. Ora Deus não gostou da brincadeira, e o incidente com os tijolos foi a última palha. Chamou Moisés, sentaram-se à volta da fogueira e traçaram um plano. Moisés ameaçava com pragas se o Faraó não deixasse o povo partir. Deus ficava escondido, não deixava o Faraó libertá-los, e depois era pragas em cima dele. «Eu, porém, endurecerei o coração de Faraó e multiplicarei na terra do Egipto os meus sinais e as minhas maravilhas.»(Ex. 7:3). Foi dito e feito. Ele foi bruxarias, rãs, moscas, gafanhotos, sangue, trovoada, doenças. Enfim, um festival.

No meio disto tudo o Faraó bem tentava dizer «Porra, leva lá essa gente que eu já tenho um monte de tijolos tão grande que até os turistas vêm tirar fotografias!». Mas Deus só o deixava dizer «Hmmm! Hmm hmm hm hmm! A... ma...nhã...» e ele não conseguia acabar com aquela praga. Literalmente. Até vir a décima. Esta teve que ser bem planeada. É certo que Deus é omnipotente e omnisciente, e tinha a obrigação de distinguir os Judeus dos Egípcios. Afinal, tinha-os escolhido... Mas nisto de matar primogénitos todo o cuidado é pouco. Por isso combinaram que cada família matava um carneiro e pintava os umbrais das portas com o sangue do bicho. Pouco higiénico, é verdade, mas estavam de partida. Os Egípcios depois que limpassem.

E assim foi. Hoje celebramos esta enorme partida em que um Deus todo poderoso se divertiu durante dez dias à custa do Faraó, dos Judeus a quem podia ter poupado dez dias de escravidão, e dos primogénitos todos que quinaram. Dá logo uma razão para nos alegrarmos: não sermos Egípcios.

Mas comparem as duas Páscoas. Numa Deus comete atrocidades, por culpa Dele o Faraó não pode libertar os Judeus, e no fim mata os filhos inocentes de uma data de gente. Na outra os homens cometem atrocidades, Deus é um primogénito inocente, e por culpa dos homens é torturado e morto na cruz. Em ambas mata-se carneiros.

Parecem contraditórias, mas une-as algo profundo, algo que define a religião Judaico-Cristã. O Amor. Não parece amor, mas o Amor Divino não é como o amor humano. O Amor que chacinou os primogénitos do Egipto não foi o amor dos namorados. O Amor que condena ao inferno quem não acreditar em torturar inocentes para redimir os culpados não é o amor que os pais sentem pelos filhos.

Este Amor Divino é tão diferente do nosso que só se compreende pelo símbolo comum às duas histórias: o carneiro. O Amor que Deus sente por nós é o amor com que degolamos o bicho, o enfiamos no forno e o comemos com arroz.

Até para a semana, porque não devo conseguir ligar-me à net antes de segunda feira. Felicidades a todos e boa Páscoa... Páscoas.

Miscelânea Criacionista: Falsas Dicotomias.

O criacionismo moderno tem uma falácia favorita: a falsa dicotomia. É o erro de raciocínio de assumir que se não é banana tem que ser peru. E vê-se logo na forma como os criacionistas confrontam a teoria da evolução. Nunca tentam mostrar que a sua hipótese é a melhor explicação. Tentam apenas refutar a teoria da evolução como se a única alternativa fosse o criacionismo literal bíblico de uma criação em sete dias (três dos quais antes de ser criado o Sol).

Nota-se também nos detalhes. Usam muito o «não compreendo como...» seguido de algo que julgam só poder ser ou falso ou perfeitamente compreendido pelos criacionistas. Não lhes ocorre a terceira possibilidade, mais óbvia.

Também alegam que a teoria moderna da evolução deriva somente duma posição naturalista. Mais uma vez assumem só duas hipóteses: ou se aceita o sobrenatural, ou há que aceitar esta teoria quaisquer que sejam as observações. Como que por magia, duma premissa minúscula sai taxonomia, filogenética, paleontologia, geologia, selecção natural, genética, biologia molecular, medicina, e tudo o que está relacionado com esta teoria. E não basta a caricatura disparatada que fazem da ciência moderna. Esquecem todas as evidências que suportam a teoria que temos hoje, e esquecem todas as teoria, de Anaximandro até ao mutacionismo no século XX, que ao contrário da presente falharam no confronto com as observações. Apesar de serem todas naturalistas também.

Finalmente, falam do criacionismo. O criacionismo. Como se a deles fosse a única religião a inventar uma história com deuses a criar isto e aquilo. Mesmo que a teoria da evolução estivesse completamente errada seria tão legitimo aceitar este criacionismo como acreditar que o universo nasceu de um ovo ou de uma vaca a lamber o gelo.

terça-feira, abril 03, 2007

«Fuga para a frente»

Não sei o que é fuga para a frente, mas pareceu-me bem. Melhor que andar às voltas. Isto veio num comentário do Jónatas Machado:

«O Ludwig, numa estratégia desesperada de "fuga para a frente", insiste em repetir, sem argumentar, que o criacionismo foi refutado há cerca de 150 anos.»

Argumentei, e fiz melhor. Apresentei evidências. Tem aqui vários exemplos.

Mesmo antes de Darwin o criacionismo que o Jónatas defende já tinha passado à história. Hutton e Lyell tinham refutado o mito da Terra com poucos milhares de anos. A paleontologia demonstrara que as espécies antigas eram diferentes das modernas. Os descobrimentos mostraram que a distribuição geográfica das espécies era incompatível com o relato bíblico. Até a teologia já se tinha afastado de uma interpretação estritamente literal da Bíblia. Era ponto assente que a vida na Terra tinha mudado durante um longo período. Darwin e Wallace esclareceram o mecanismo desta mudança, e apesar da teoria de Darwin só ser completamente aceite décadas mais tarde, o consenso na comunidade científica era que a vida tinha evoluído. Mesmo quando a maioria ainda acreditava que a vida tinha surgido de um acto criador sobrenatural.

O Jónatas também escreveu que:

«Não consigo perceber o que é que a extinção de espécies tem que ver com a evolução. Extinção significa morte. Não cria informação genética nova que codifique novas e mais complexas estruturas e funções. Pelo contrário, é possível que muitas extinções se tenham ficado a dever à acumulação de mutações.»

Eu sou mais optimista, e como penso que o Jónatas conseguirá perceber vou tentar explicar. A morte não cria informação genética; o que cria informação são as mutações. Algumas criam informação no organismo por aumentar o seu genoma, mas a melhor maneira de compreender a evolução é pensar na população e não no organismo. É a população que evolui. O organismo nasce, cresce, e morre o mesmo.

A informação na população é a sua diversidade. Se antes todos tinham pintas pretas e agora alguns têm pintas castanhas a informação aumentou. Mas este aumento de informação é cego e aleatório. Não importa se é melhor ter pintas pretas ou castanhas.

É por isso que a morte tem um papel importante. Não a morte do indivíduo, se bem que essa também tenha o seu efeito, mas a morte da linhagem. A morte é importante porque é tendenciosa. Morre mais depressa a linhagem menos competitiva, menos adaptada, menos capaz de se reproduzir.

Talvez uma analogia ajude. A mutação é como a água a brotar da fonte. Sai ao acaso, borbulhando para todo o lado, com formas sempre diferentes. A morte – a selecção natural – é como a gravidade, que empurra a água ladeira abaixo num riacho que em cada ponto segue o declive do terreno.

Peço desculpa se esta explicação ainda foi insuficiente. Mas, se foi, se ainda não conseguiu compreender, continue a tentar antes de criticar. È má ideia criticar antes de compreender.

Colbert explica.

Isto dos direitos de autor pode parecer complexo, mas quando é bem explicado percebe-se perfeitamente.

Colbert Report, entrevistas



Via Sivacracy

A Heurística Naturalista.

Uma heurística é uma regra que ajuda a encontrar algo. Procuro as chaves primeiro na mesa da cozinha. Posso ter que procurar noutro sítio, mas normalmente é lá que as deixo e poupa-me trabalho começar por aí. A ciência também procura primeiro as explicações mais comuns. Perante um resultado inesperado verificamos o equipamento, se usámos os reagentes certos, se alguém deu um encontrão na montagem. Não por excluir o inesperado, mas por ser a explicação mais frequente.

Até 1800 os meteoritos eram considerados uma superstição de ignorantes. Nada na física de Newton levava a crer que pedras e pedaços de metal andassem a voar por aí e a cair de vez em quando. Mas era uma heurística, não um axioma inquestionável, e eventualmente o acumular de evidências levou a comunidade científica a mudar de ideias.

A heurística de seguir pelo que já se conhece é muito antiga, mas a heurística de preferir uma explicação naturalista é recente. Newton postulou que a Terra atraía a Lua e a Lua atraía a Terra. Mas como explicar que um objecto inanimado conseguisse agarrar e puxar outro a uma distância tão grande? Para Newton era Deus que o fazia. Não só tratava da gravitação universal, mas também dava um jeitinho de vez em quando para evitar que todas aquelas atracções descambassem em caos. A física de Newton era assumidamente sobrenatural.

Em 1842, Darwin escreveu: «É depreciativo que o Criador de inúmeros mundos tenha criado cada um da multidão de parasitas e vermes que pululam cada dia da sua vida .. neste globo.»*. É certo que Darwin foi perdendo a sua fé, quer pela sua compreensão da evolução quer por tragédias pessoais, como a sua doença crónica e a morte da filha aos dez anos. Mas Darwin embarcou no Beagle durante a sua formação para o sacerdócio. Darwin quase foi padre, pois um naturalista era alguém que estudava a obra de Deus e ninguém melhor que um padre para isso. Não havia qualquer premissa que rejeitasse o sobrenatural.

Quando Darwin e Wallace apresentaram os seus artigos em Julho de 1858 relataram observações e propuseram hipóteses. Nenhum se lembrou de dizer «caros colegas. Deus é sobrenatural, e aqui só entra o natural, por isso as espécies evoluiram». Isto seria um disparate impensável para qualquer cientista. Só mesmo um criacionista pode julgar que a ciência funciona assim.

Hoje em dia há uma heurística naturalista. Em parte porque as evidências fizeram encolher o que ciência remetia para Deus até não sobrar nada. Não precisa de fazer gravidade, de ajeitar planetas, nem de criar os primeiros seres vivos. Não podemos garantir que não exista, mas tudo indica que, se existe, está de férias há muito tempo.

Mas foi a proliferação de patetices que tentam usurpar a legitimidade da ciência que levou tantos a adoptar a heurística naturalista. A astrologia, a medicina alternativa, a clarividência, a bruxaria, e milhares de outras que não se pode refutar devidamente por simples falta de tempo e de paciência. O carimbo «Treta Sobrenatural» serve para despachar o mestre D’atanga, o professor Al Drabo, e todas essas fontes de poluição intelectual, da biodança ao criacionismo. O mais prático é arrumá-los a um canto, e só saem de lá quando tiverem evidências sólidas que justifiquem perder tempo com estes disparates.

Mas se tiverem evidências estamos sempre prontos a reconsiderar a posição. Se as chaves não estão na mesa, claro que procuro noutro lado.

*It is derogatory that the Creator of countless systems of worlds should have created each of the myriads of creeping parasites and slimy worms which have swarmed each day of life . . . on this one globe., tirado de Darwin, the Scientific Creationist por William Phipps.

segunda-feira, abril 02, 2007

Jónatas Machado e a Censura.

O Jónatas Machado colocou em comentário ao meu post de anteontem o texto integral do seu artigo no Ciência Hoje (1). Apesar do espaço de comentários ser para comentar, e não para publicar artigos. Apesar de eu lhe ter pedido várias vezes que evitasse comentários longos (é cinco vezes maior que o meu post), e especificamente que não copiasse textos na íntegra, mas desse apenas a ligação ao original. Apesar do Jónatas poder facilmente criar um blog ou um site onde possa publicar o que quiser. Apesar disto tudo eu não vou apagar o comentário do Jónatas. Fica a esperança que o exemplo o motive a respeitar o espaço dos outros.

A todos que gritaram censura pela remoção do artigo do Jónatas no Ciência Hoje eu reitero: o Jónatas, como qualquer um de nós, pode publicar o que quiser. Não há censura nenhuma. Mas o direito de se exprimir não obriga os outros a dar-lhe atenção, nem a publicar o que ele quiser, nem o isenta de respeitar o espaço alheio. Não acho bem que tenham apagado o seu artigo do Ciência Hoje. Mas também não acho mal. Não acho nada. Quem de direito decidiu, e não deve explicações nem a mim nem ao Jónatas.

O Santiago, no Conta Natura, tem uma opinião diferente (2):

«Na sequência dessa publicação, vieram os "Talibans da Ciência" rasgar as vestes e bramir "Heresia!", "Sacrilégio!" e "Blasfémia!". Algumas reacções foram idênticas às de imãs acabadinhos de ler jornais dinamarqueses levando mesmo o Ciência Hoje a apagar o dito texto.»

Não como imãs. Não há Talibans da Ciência, e isto não é censura. Quem criticou a publicação desse artigo numa revista de ciência fê-lo como indivíduo privado, exercendo o seu direito de opinião. Quem apagou o texto do seu site fez exactamente o mesmo. Nenhum líder exortou seus seguidores a perseguir o Jónatas ou a partir as vitrines do McDonald’s (partem sempre as vitrines do McDonald’s, mesmo que não tenha nada a ver...). Nenhum governo repressivo silenciou o Jónatas. Nem sequer se interferiu com o seu direito de publicar seja o que for.

Concordo com o Santiago quando diz que «O Jónatas (e os que pensam como ele) vão interpretar esta "censura" como fruto do medo que os leitores do Ciência Hoje se deixem persuadir pelos argumentos lá expostos». Mas se o artigo lá ficasse iam interpretá-lo como legitimando o fundamento científico dos seus argumentos. Não há nada que demova a fé criacionista. Como eles dizem, tudo pode ser «interpretado» da forma que der mais jeito.

O importante é que o debate seja voluntário. Os criacionistas têm o direito de publicar o que quiserem, e acho bem que os cientistas debatam a questão. Eu dedico bastante tempo a isto. Mas porque quero. Quem não estiver para debater disparates está no seu direito. Quem lê numa publicação científica um artigo sem nada de científico tem o direito de protestar. E quem gere a publicação tem o direito de decidir se tira ou mantém o artigo. Isto não é Talibanismo. Pelo contrário. Talibanismo seria obriga-los a manter o artigo contra a sua vontade.

Estamos habituados a usufruir de serviços pelos quais pagamos e em que se justifica exigir algo em troca. Mas neste espaço digital muito do que nos chega é fruto de trabalho voluntário oferecido gratuitamente. Pensem nisso antes de acusar alguém de censura, fascismo, ou talibanismo.

1- Eu, 31-3-07, Jónatas Machado e a Filosofia da Ciência.
2- Santiago, 2-4-07, Os Talibans da Ciência e o Significado da Palavra "Fé"