sábado, setembro 20, 2014

Treta da semana (passada): profissionais da pobreza.

A semana passada a Isabel Jonet “alertou” que «Há profissionais da pobreza em Portugal» (1). À primeira vista, pode parecer que acusá-la de ser um dos principais profissionais da pobreza é como acusar os médicos de serem profissionais da doença ou os bombeiros de serem profissionais da desgraça. Mas há uma grande diferença entre Jonet e os restantes. Os médicos e os bombeiros fazem o que podem para prevenir os problemas, depois fazem o que podem para os resolver e só em casos extremos é que administram paliativos ou deixam a casa arder. Em contraste, a Isabel Jonet não só se limita a disfarçar os sintomas da pobreza, sem nada fazer para a prevenir ou reduzir, como também deturpa os factos e defende ideologias que impedem que o problema se resolva.

Aponta que «Em Portugal há aquilo a que chamamos a transmissão intergeracional da pobreza e temos que quebrar com essa transmissão». É verdade. Poucos ficarão surpreendidos em saber que os filhos de pais pobres tendem a ser mais pobres do que filhos de pais ricos e que as crianças de famílias pobres enfrentam obstáculos enormes simplesmente por serem pobres. Têm pior alimentação. Têm menos apoio dos pais, que normalmente têm menos formação e menos disponibilidade para passar tempo de qualidade com os filhos. Uma pausa serena para conversar ou brincar com os filhos é um luxo pouco acessível a quem passa cada momento a esgravetar trocos para a refeição seguinte. E estas crianças crescem num ambiente mais pobre. As avós ajudam muito, e são de graça, mas o contacto com outras crianças e educadores é importante e dificilmente se consegue que seja bom e gratuito.

Há também uma diferença grande entre a atitude de quem é pobre e a de quem não é, por força das circunstâncias. Quem tem estabilidade económica pode fazer planos a longo prazo mas, para quem vive da mão para a boca e sem qualquer segurança, isso não faz sentido. Não vale a pena planear poupar por uns anos, ou sequer uns meses, quando sobra tão pouco e se a qualquer momento se pode ficar sem nada por factores que não se controla. É fácil, para quem vive confortavelmente, criticar os pobres por “esbanjarem” o pouco que têm em coisas supérfluas. Mas se tivessem regularmente de almoçar pão com chá e nunca soubessem como iriam estar daí a umas semanas provavelmente também não lhes daria para pôr no banco os cinquenta euros que por algum feliz acaso sobrassem naquele mês.

Finalmente, há também o efeito da própria forma como se apoia os pobres. Aqui em casa, seria difícil pagarmos colégio privado aos nossos três filhos. Por isso, recorremos à ajuda do Estado pondo-os na escola pública. O que não é vergonha nenhuma porque a escola pública é para toda a gente que lá queira ter os filhos. Mas a situação seria diferente se, em vez de um sistema de educação universal, as escolas públicas fossem só para pobrezinhos, só admitindo os filhos de quem demonstrasse não ter dinheiro para o colégio privado. A ajuda condicionada à pobreza do beneficiário não é só humilhante e injusta. É também uma barreira à saída da pobreza porque faz com que uma melhoria no rendimento possa resultar na perda de apoios indispensáveis.

Mas o mundo de Jonet é mais simples. A pobreza não resulta de problemas sociais e económicos, nem de desigualdades, nem das trafulhices dos ricos. Deve-se simplesmente à preguiça dos pobres. «Há profissionais da pobreza habituados a andar de mão estendida, sem qualquer preocupação em mudar». E a solução não tem de considerar coisas aborrecidas como a discriminação, a justiça ou a redistribuição. Isso afecta o rendimento dos ricos e, como toda a gente sabe, os ricos são sempre os mais trabalhadores. O importante, para Jonet, é que «quando se ajuda uma família pobre, deve-se procurar que essa família queira deixar de ser pobre e não encare a assistência como uma forma de vida». Não basta garantir que o pobrezinho que se ajuda tem certificado de pobreza. É preciso também confirmar que quer largar o vício de ser pobre, deixar de ser mandrião e tornar-se rico como as pessoas decentes. Não se vai desperdiçar recursos com aquele tipo de pobre que teima em continuar pobre mesmo depois de lhe darmos uma sopa e um pacote de arroz.

Há quem julgue que pessoas como a Isabel Jonet ajudam a combater a pobreza. Mas, quanto mais a senhora fala, mais me convence do contrário. Por um lado, porque apenas disfarçam o problema. Enquanto houver caridadezinha nas paróquias e voluntários a distribuir latas de conserva pode-se fingir que o problema está a ser resolvido. Isto também ajuda a manter os pobres calados, não vão tirar-lhes a sopa se não se portarem bem. Por outro lado, dirigir instituições de “solidariedade” cria uma ilusão de autoridade moral que torna mais fácil empurrar a opinião pública para longe de qualquer solução eficaz.

O PIB dividido pelos agregados familiares, segundo a Pordata e as minhas contas, dá uma média de 3.500€ por mês, ou 2.100€ depois de retirados os impostos. Com este dinheiro seria perfeitamente viável dar umas centenas de euros por mês a todas as famílias, sem restrições, o que eliminaria os problemas principais do sistema que temos. Haveria menos barreiras para sair da pobreza, menos discriminação dos pobres, mais estabilidade para todos poderem planear a sua vida e, logo à partida, menos pobreza. Mas como isto implica menos dinheiro para os mais ricos, abençoada seja a Isabel Jonet e as suas ideias parvas...

1- Jornal de Notícias, "Há profissionais da pobreza em Portugal", alerta Isabel Jonet

10 comentários:

  1. O "Banco Alimentar Contra a Fome" é claramente uma organização controlada pelo próprio sistema - para, tal como você diz, defender "ideologias que impedem que o problema se resolva". Pois, se estiver toda a gente mais preocupada em enveredar pela "caridadezinha", não se preocupam (ou, muito menos se preocupam) tais pessoas em reflectir sobre, e em atacar, as causas da pobreza.

    Causas essas, cujos responsáveis são as pessoas que estão por trás da sr.ª Jonet e dos média de massas que fazem estas reportagens, com este tipo de declarações. E, média de massas esses, que não se atrevem a entrevistar quem possa denunciar as reais causas de toda esta nova pobreza.

    (Aqui um exemplo, de algo que nunca irão ver ser reportado por esses mesmos média de massas portugueses, da "Face Oculta": http://www.forumdefesa.com/forum/viewtopic.php?f=24&t=10579)

    A próprio sr.ª Jonet já admitiu, uma vez (e, enquanto falava sobre a desgraça dos outros com um sorriso indisfarçável) que este "Banco Alimentar" serve de tampão à Revolta Social: http://www.youtube.com/watch?v=H8H5zAOdUJE#t=5m05s

    E, servem estas novas declarações - sobre um fenómeno que sempre existiu e que sempre foi muito reduzido - apenas para tentar confundir quem ainda não caiu no buraco da pobreza, quanto à real natureza e reais causas da grande extensão de miséria a que agora assistimos. Miséria essa, propositadamente causada pelos amigos da sr.ª Jonet.

    (Por isso, continuem a fazer doações, otários, e não façam nada para impedir a destruição da sociedade que temos, que é da maneira que garantem que também há-de chegar a vossa vez...)

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    1. Não cite conspiranoides como o Daniel Estulin, SFF, muito menos em sítios da Internet racionalistas como este. Muito menos citar quem os cita. (A não ser para criticar, parodizar, gozar, etc.).

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  2. E, quanto ao ensino estatal...

    Talvez seja também boa ideia absterem-se deste e enveredarem antes por outras formas de ensino alternativas.

    Pois, o actual sistema que temos, está propositadamente desenhado para estupidificar as pessoas e limitar o seu desenvolvimento, de modo a que não sejam estas capazes de atingir este tipo de coisas.

    http://blackfernando.blogspot.pt/2013/07/algumas-consideracoes-sobre-o-actual.html

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  3. A ideia que me fica, depois de ler o texto, é que algo de pessoal existe entre o autor e a pessoa visada, que só faz caridadezinha... As considerações que faz sobre as causas da pobreza também eu as podia subscrever, mas entretanto, as coisas estão como estão, as grandes mudanças não se verificam e as pessoas têm necessidades. Essa srª faz alguma coisa, mata a fome a alguns, enquanto o autor, impante, faz considerações teóricas...

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    1. ...leia novamente o texto mas desta vez com atenção, pois já se percebeu que o fez de viés...esta jonet não faz nada pelos pobres, isso é só uma treta, o que ela faz e muito, é pelos merceeiros que facturam que nem nababos, com as suas iniciativas...quando damos uma moeda, a um drogado que finge arrumar carros, não somos tipos porreiros, somos contribuintes líquidos para a continuação da sua desgraça…

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  4. Cisfranco,

    A Isabel Jonet não mata a fome às pessoas. Ganha um salário administrando uma organização que recebe donativos para distribuir pelas pessoas com fome. E eu não faço apenas considerações teóricas. Pago quase mil euros por mês em impostos e estou disposto a pagar bastante mais se for para garantir que todas as famílias têm um rendimento incondicional fixo.

    Se tu e os restantes portugueses estiverem dispostos a fazer o mesmo, a aceitar um aumento nos impostos para criar um rendimento universal para toda a gente, acabamos com a pobreza num instante. O problema é que a maioria prefere dar uma esmolinha de vez em quando, que o faz sentir que fizeram grande coisa e sai muito mais barato do que atacar a pobreza a sério.

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    1. "E eu não faço apenas considerações teóricas. Pago quase mil euros por mês em impostos e estou disposto a pagar bastante mais se for para garantir que todas as famílias têm um rendimento incondicional fixo."

      Pois, mas eu não. Trabalho de dia e de noite para conseguir pagar a minha casa, ter acesso a cuidados básicos de saúde e poder comer e não estou nada disposta a que ainda me tirem mais para que aqueles que não trabalham (a não ser que exista uma justificação mesmo muito boa para isso) possam continuar sem fazer nada.

      "Se tu e os restantes portugueses estiverem dispostos a fazer o mesmo, a aceitar um aumento nos impostos para criar um rendimento universal para toda a gente, acabamos com a pobreza num instante."

      Errado. O que importa, mais do que se ganha, é o que se gasta. Não adianta dares às famílias um rendimento mensal fixo se o vão gastar em coisas que não interessam. E isso acontece com o rendimento mínimo actualmente, em vários casos.

      Além do mais, o que propões iria criar outro problema: se o Estado te dá acesso a um rendimento fixo sem fazeres nada, porque é que hás-de trabalhar? Esse seria "o" problema.

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  5. Isto é complicado, sobretudo dada a universalidade da preguiça. Será justo retirar a quem tem, porque trabalha dia e noite para o ter, para sustentar a massa que não se importaria de viver apenas com um rendimento universal? Haverão ricos que não trabalham, mas a esmagadora maioria da classe média fá-lo.

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  6. Nuno,

    Eu punha o problema de outra forma: será a preguiça um crime tão grave que mereça a pena de morte pela fome, aplicada não só ao preguiçoso como também a todos os seus descendentes?

    Se não, então mesmo que alguém seja preguiçoso a sociedade tem o dever de o sustentar de forma digna e que garanta condições mínimas aos seus filhos.

    Além disso a preguiça não é o factor principal. Quando um trator ceifa o mesmo que 50 pessoas, um camião transporta o mesmo que 10 carroças e uma grua carrega o mesmo que 20 estivadores temos muito menos necessidade de pessoas a trabalhar para a sociedade funcionar. Podemos compensar isto com vendedores porta-a-porta, cabeleireiros, "personal trainers" e pessoas que passeiam os cães dos outros, mas a certa altura até esse tipo de tretas se esgota. Penso que temos de nos mentalizar que, cada vez mais, o papel mais importante de muitas pessoas será o de serem cidadãos civilizados, cuidar bem dos seus filhos e garantir que há uma população de onde vão saindo pessoas com as qualificações de que precisamos. O que até é um trabalho mais importante do que muitos que remuneramos...

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  7. Caro Ludwig:

    Tu és uma pessoa com boa formação moral e por isso acreditas que uma forma de socialismo distributivo era uma solução justa e porreira. Isto porque acreditas que a maioria das pessoas é como tu.

    Ledo engano.

    Uma parte muito significativa da população - atrevo-me a dizer a maioria- são uma cambada de filhos da puta, e por extenso, que nem te passa pela cabeça.

    São movidos por inveja e sentimentos gerados no intestino.

    Se queres os mais racistas, sexistas, xenófobos, radicais disto e daquilo.

    Um amigo meu iraniano, farto de me convidar a passar férias em Teerão, diz-me sempre:

    - aquilo é como cá. É perante a populaça que temos de disfarçar!

    A pobreza, seja em Portugal, Suíça, Alemanha ou Angola são tão inevitáveis como o nascer do sol ou haver gajos com formação científica jurarem a pés juntos que os Trex coabitaram com o Adão.

    Se calhar faz parte do jogo de sermos humanos haver sempre, parafraseando o conde de abranhos, quem tirite de frio e rabie de fome.

    Podia-te dar vários exemplos de pessoas que herdaram ou mesmo ganharam milhões e que gsstaram a guita ssbe deus em quê e que acabaram todos fodidos.

    E de gente que ganha, em Portugal 3000 euros e que tem uma boa vida e poupanças.

    O rendimento mínimo é útil porque afasta alguns da criminalidade. Só por isso é útil.

    Fala com os pobres e pergunta-lhes o que acham do RSI.

    Se não forem beneficiários dizem-te cobras e lagartos...

    A jonet diverte-se.

    Também se não houvesse pobres, ou probes, não havia caridade e lá se ia um dos pilares do Islão.

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