sábado, junho 20, 2009

Arrancar o penso.

Em 2007, Jammie Thomas foi condenada a pagar $220.000 à RIAA por ter 24 músicas em partilha (1). Mas o juiz anulou o julgamento porque instruíra o juri que ter as músicas disponíveis para outros descarregarem violava a lei. Isto estava errado, pois nos EUA essa violação do copyright exige que haja distribuição. Ou seja, a acusação teria de demonstrar que alguém tinha descarregado essas músicas da Jammie Thomas sem a autorização dos detentores de direito, coisa que a RIAA não tinha fizera.

O caso foi novamente a tribunal e, esta semana, Jammie Thomas foi condenada a pagar $1.920.000. Oitenta mil dólares por música, cujo valor para as discográficas é cerca de 35 cêntimos. E isto apesar da RIAA ainda não ter comprovado que houve distribuição, apenas que a Jammie Thomas tinha as músicas em partilha o que, por si só, não viola a lei. Provavelmente haverá um terceiro julgamento porque a desproporção entre a indemnização e o valor de mercado daqueles 24 ficheiros torna o veredicto, e talvez a própria lei, inconstitucional (2). Os precedentes legais nos EUA limitam as indemnizações a duas ou três vezes o valor dos danos causados, mas não mais (3), e a constituição exige que as indemnizações sejam proporcionais aos danos. No caso da Jammie Thomas, os danos são de 35 cêntimos por música que tivessem descarregado do computador dela, e a RIAA nem tem provas que isso tenha acontecido. Em geral, a RIAA tem recorrido a uma lei que estipula indemnizações entre $750 e $150,000, mas com coisas de tão pouco valor como um ficheiro mp3 pode não ser permissível pela constituição aplicar esta lei. Se exigirem oitenta mil dólares por copiar uma canção de trinta e cinco cêntimos levar a essa conclusão, acaba-se a possibilidade de processar quem partilha músicas nos EUA(4).

Não sei se o pessoal das discográficas está mal da cabeça ou se isto é um plano para acabar de vez com o copyright, que dói de repente mas passa depressa. Porque não pode ser pelo dinheiro, que a Jammie Thomas não nada para lhes dar. E devem saber que os monopólios legais de que beneficiam só duraram até hoje por não interferir na vida das pessoas.

Ontem houve uma festa na escola dos meus filhos e as crianças deram um espectáculo para as famílias. Cantaram músicas como a “Chiclete” dos Taxi e o “Chico Fininho” do Rui Veloso*, dançaram, declamaram poemas e encenaram uma peça de teatro. Tudo baseado em material protegido por direitos de autor, organizado pelos professores que são profissionais pagos, e apresentado a centenas de pessoas num local público. Se começam a proibir estes eventos por violação do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos penso que se acaba depressa com esta lei.

Por cá, a PassMusica tem tentado, com as suas notícias de muitos processos e os formulários para se licenciar a música em casamentos e baptizados. Só que não deve haver muita gente a mandar-lhes os 109,41€ da licença para tocar os seus próprios CD no seu próprio casamento (5), por isso o efeito tem sido pequeno. Quando estas leis se restringem a quem faz negócio com a música, e os processos são só a bares e discotecas, as pessoas ligam pouco. Mas se um dia começam com providências cautelares a casamentos e baptizados muita gente vai perceber o ridículo, e a injustiça, de aplicar estas leis fora do âmbito comercial. Quando isso acontecer quem vive de licenças vai ter de arranjar trabalho.

Obrigado ao Mário Miguel pelo link a esta notícia em português.

* E, pior, cantaram “com a mão na algibeira” em vez da versão original, criando uma obra derivada sem autorização dos gestores de direitos.




1- $9.250 por canção.
2- Ray Beckerman, 19-6-09, Jury awards plaintiffs $1,920,000.00 in Capitol Records v. Thomas-Rasset
3- Raw Story, ‘Insane’ file-sharing verdict could challenge law’s constitutionality
4- ZDNet, 'Insane' $1.9 million verdict could prove RIAA's downfall
5- PassMusica, Tarifários

8 comentários:

  1. Este é o tipo de obra prima que resulta da não existência de direitos:
    http://www.chroniclebooks.com/index/main,book-info/store,books/products_id,7847/title,Pride-and-Prejudice-and-Zombies/

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  2. Gostei deste comentário:

    «I bet Jane Austen is rolling in her grave right now.»

    Ou a sair dela. Grrraaaahhh....

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  3. Em Portugal, onde a justiça criminal e a cível andam, muitas vezes de candeias às avessas, o desfecho poderia ser o mesmo.

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  4. "Não sei se o pessoal das discográficas está mal da cabeça ou se isto é um plano para acabar de vez com o copyright, "

    Depois de uma analise rigorosa do assunto concluí pelo mal da cabeça.

    Que é um belo tiro no pe.

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  5. Isso vai ter consequencias semelhantes à derrota em tribunal do Simon Singh pelos quiropraticos.

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  6. Mário Miguel23/06/09, 02:26

    Relativamente ao meu primeiro comentário aqui «Polícia portuguesa vai espiar Internet dos criminosos sem mandado», tem-se a seguinte notícia subsequente:

    Cibercrime: Ministério da Justiça desmente notícia DN.

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