domingo, junho 01, 2008

Treta da Semana: «Os Perigos da Internet».

A SIC poupou-me trabalho esta semana com o programa «Aqui e Agora» do dia 29, «Os Perigos da Internet»(1). A legenda numa das reportagens resume bem o tom do programa: «Os perigos da Internet: a blogoesfera ajudou a denunciar abusos de regimes totalitários». É só coisas más. O Francisco Moita Flores explicou que o pior de tudo são os «blogs terroristas» e o «branqueamento de capitais, tráfico de armas e explosivos» que se fazem «através de mensagens cifradas» em blogs. Mas disse logo à partida de onde lhe veio esta ideia. É que ele “nem abre” a Internet. Talvez com medo que lhe caia uma bazuca no colo.

Surgiu várias vezes a ameaça à democracia. O Francisco Moita flores avisou que «A democracia, em nome dos valores da democracia, expõe-se à sua auto destruição». Uma reportagem afirmava que a Internet «pode ser uma arma da democracia» mas também podia ser usada contra a democracia. O Miguel Sousa Tavares defende que o «acesso à Internet» deve depender de «uma pré-identificação junto ao servidor». Isto porque alguém o acusou de plágio num blog anónimo. Para que ninguém ofenda o Miguel é imprescindível que todos que tenham «acesso à Internet» sejam devidamente identificados. E esperemos que o Miguel nunca descubra que alguém o ofendeu por telefone, por carta ou a falar na rua. Senão temos que mostrar o BI cada vez que abrimos a boca.

A Internet não é uma arma da democracia nem um perigo para a democracia. A Internet é uma tecnologia que permite a cada um comunicar com quem o queira ouvir e a liberdade de comunicar não ameaça a democracia. É a democracia. Ameaça é restringir este direito, uma ideia popular entre “figuras públicas” de meia idade mas que é contrária à democracia e fruto de uma distinção ultrapassada entre privado, pessoal e público.

Antes da Internet o pessoal e o privado eram o mesmo. Era aquilo que se fazia fora do olhar público. O que se publicava era impessoal, de natureza comercial ou profissional. Jornais, discursos, documentários e assim por diante. Os diários eram pessoais e privados. Neste contexto fazia sentido regular a expressão pública como acto profissional distinto do âmbito pessoal. Códigos deontológicos, estatuto de jornalista, penas agravadas para a calúnia ou devassa pública da vida privada e assim por diante.

Mas hoje temos que distinguir estes três aspectos de forma diferente. O privado guardamos para nós ou para aqueles que nos são mais chegados. No que é público há umas coisas de natureza comercial ou profissional e outras de natureza pessoal. Muitos blogs, por exemplo. Apesar de acessíveis ao público, textos como este não têm fins comerciais ou profissionais. Servem apenas o exercício da minha liberdade pessoal de expressão. Não faz sentido regular um blog pessoal como um jornal ou canal de televisão porque escrever um blog é um acto pessoal. Mesmo que seja acessível ao público. Por muita gente que me visite ou que eu deixe cá entrar a minha casa será sempre um espaço pessoal. Aqui o Estado tem menos autoridade legal que num lugar de negócio.

Por isso é treta que se deva legislar para impedir expressões pessoais difamatórias ou ofensivas. Faz algum sentido quando se ofende ou difama por dinheiro, e há muitos blogs que são negócios e devem ser tratados como negócios. Mas não faz sentido pôr a lei a perseguir quem ofende a título pessoal. Nesses casos a lei só devia intervir se houvesse dano material e não apenas porque o queixoso se ofendeu. Se perdeu o emprego por causa de uma calúnia merece ser indemnizado. Se amuou porque os meninos na escola lhe chamaram nomes, azar. Cresça que vai ver que passa.

É preciso mudar a mentalidade. Não de quem escreve, mas de quem lê e ouve. Tal como ninguém ligaria a um anónimo que, berrando na rua, acusasse de plágio o Miguel Sousa Tavares, ninguém, nem sequer o Miguel, deveria ligar quando um anónimo escreve essa acusação num blog. O problema é assumir que o que é publicado ou vem de “figuras públicas” tem autoridade por muito infundado ou disparatado que seja. É uma premissa falsa e assim que maioria perceber que afirmações infundadas não merecem confiança, venham de onde vierem, resolve-se o problema dos insultos e das calúnias na Internet.

Infelizmente esta solução não interessa às “figuras públicas” que ficariam sem emprego se tivessem que fundamentar o que proferem como opinadores profissionais.

1, SIC, via De Rerum Natura

18 comentários:

  1. O Miguel Sousa Tavares não tem de se "identificar" para aceder à Interweb? Quero o ISP dele.

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  2. A Internet é, de facto, um perigo. Estava há pouco a falar com alguém no IRC; estávamos a conversar sobre computadores antigos, Lisp e REBOL. Enfim, coisas interessantes. De repente, é largada esta bomba: «Ah e tal, talvez estejas interessado em ler este livro que escrevi.»

    Escusado será dizer que a partir daí a conversa tomou um rumo estranho...

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Os perigos da internet mencionados por figuras públicas que provavelmente nem a usam são fictícios. Os negócios ilegais que se fazem com a net já se faziam antes sem a net, e se for preciso fazem-se de novo sem a net.
    O único perigo real que notei na net é de queimar o jantar ou atrasar-me para um compromisso por estar ditraída.
    Bjs Karin

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  5. "Nesses casos a lei só devia intervir se houvesse dano material e não apenas porque o queixoso se ofendeu".

    Ali para os lados da Ásia, já não sei se no Japão ou na Coreia do Sul, uma miuda reguila permitiu ao fifi que deixasse uma "prenda" em pleno metropolitano. Quem se indignou levou com uma resposta malcriada. Alguém filmou o sucedido e pô-lo online. Desencadeou um debate nacional, durante o qual a miuda foi prontamente identificada e julgada, passando a ser conhecida em todo o país. Resultado, teve que abandonar a universidade, o trabalho e a vizinhança, porque foi «executada» em praça pública, sem a menor possibilidade de defesa. Entendam-me, não acho bem a atitude dela. Mas acho que o «castigo» não está à dimensão do «crime». Outros já foram julgados na internet por muito menos. A diferença éque a net chega a muito mais pessoas do que outros média, e portanto os danos que faz são muito maiores. Claro que por lei ninguém tem o direito de colocar imagens minhas na net sem a minha autorização. Mas não há leis que me valham, porque para isso era preciso identificar quem pôs o filme online. Mesmo que seja possível, não é por tão pouco que as autoridades se vão incomodar (mesmo o famosíssimo Tarzan do 5º esqº que dá pela alcunha "Sousa Tavares" não o conseguiu). Acho que sim, que a internet tem alguns perigos.
    Cristy

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  6. É óbvio que a blogosfera é um espaço de liberdade e uma manifestação da Democracia. Restringi-la é atentar contra a Democracia. Mas não deixo de achar que o insulto e o boato podem ser verdadeiramente nefastos, porque chegam como se de verdade se tratasse. Imagino que não deve ser fácil a alguém ver a circular por milhares ou milhões de pessoas uma mentira ofensiva da sua dignidade. Mesmo que se ignore, há o manchar da reputação, há a sociedade, os efeito nos filhos, etc.
    A única questão é que este problema não é da Blogosfera, esta apenas a amplia e não há forma de evitá-lo. Há apenas que aprender a lidar com o problema da melhor das formas, que é ignorar, mesmo que essa seja apenas a melhor das más soluções.

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  7. Dentro deste assunto temos ainda a opinião do Pacheco Pereira.

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  8. Apaguei o meu comentário para demonstrar o poder de autoregulação da blogosfera.

    Um tipo vai aprendendo.

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  9. Parecem os 4 velhos marretas

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  10. *** off-topic ***
    Ludwig, algumas vezes escreves sobre copyright e patentes. Já tinhas conhecimento disso: Singapore "Image Linking" Patent Causing Waves In The Web Community ?

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  11. O teu blog é uma treta

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  12. Anónimo,

    O teu comentário é uma treta cobardola

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  13. Ludwig... marretas? Mmmm... isto anda em baixo de todo! Toda a gente sabe que o que está a dar é o Snoopy e o Peanuts. Eventualmente o Charlie Brown!

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  14. e além disso os marretas (velhos ) era dois e nao 4

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  15. Alguém filmou o sucedido e pô-lo online. Desencadeou um debate nacional (...) Acho que sim, que a internet tem alguns perigos.


    O filme foi feito num espaço público relatando um comportamento grosseiramente anti-social e lesivo de terceiros.

    Independentemente da legalidade ou não da sua divulgação - já agora, e os "apanhados à japonesa"? - não vejo onde é que esse exemplo possa exemplificar os tais "perigos" da Net.

    Deveras, acerca deste assunto eu gostava é de saber se existe algo que se possa considerar exclusivo da comunicação cibernética, isto para além da sua facilidade de divulgação, o que me parece uma óbvia e salutar vantagem.

    Net is good... as it should! :)

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  16. Caro Leperchaun,
    ora viva, uma intervenção que dá para ler do princípio ao fim: parabéns.
    No caso dos "apanhados", e isto é válido em Portugal como no Japão, os filmes só vão para o ar com a autorização prévia e expressa do «apanhado».
    Estares num espaço público ainda não dá a ninguém o direito de te filmar à tua revelia. E o perigo, conforme tentei explicar, advém do facto da internet chegar a muito mais pessoas do que uma revista ou mesmo um programa de televisão. Mas mesmo que não fosse o caso, contra a televisão e uma revista ainda há defesa. Contra o anonimato na net não.
    Cristy

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  17. Cristy,

    «Estares num espaço público ainda não dá a ninguém o direito de te filmar à tua revelia.»

    Direito de filmar têm, excepto se estás num sitio onde se justifica esperar privacidade (vestiário, casa de banho, etc). Mas qualquer pessoa é livre de fotografar ou filmar em espaços públicos.

    A restrição é na publicação das imagens. Mas o problema é definir onde os direitos de uns acabam e começam os dos outros.

    Por exemplo, a foto da dona do cão é legal. Foi tirada no metro, um espaço público onde não há uma espectativa razoável de privacidade.

    E seria perfeitamente legítimo ao fotógrafo mostrar a foto aos amigos ou familiares.

    Para a publicar num jornal seria preciso a autorização da fotografada? Possivelmente não. O artigo 79 do código civil:

    «Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.»

    Neste caso poderia ser legítimo se a noticia fosse "cão mandou bosta no metro". Mas não é claro porque:

    «O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada.»

    Mas o engraçado nesse exemplo é que o problema não é o anonimato mas sim a quebra do anonimato. Foi quando publicaram dados que identificavam a mulher que o problema surgiu.

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  18. Ludi,
    quando falei no perigo do anonimato, estava a referi-me a quem colocou o filme online, não à identificação da mulher. E esse parágrafo da lei é muito elástico. Não sei como é interpretado maioritariamente em Portugal. Na Alemanha é muito claro: a privacidade tem a prioridade máxima, e mesmo no caso do teu cão deixar uma prenda na via pública, uma revista que não queira ser processada publica a foto do cão, mas o dono só sai com uma tira preta nos olhos. Creio que esta interpretação que mais se aproxima daquela do Tribunal Europeu, mas essas coisas costumam interessar pouco em Portugal :-).
    Continuo a dizer que a repercussão que teve para a miúda uma malcriadice porque alguém filmou a coisa e pôs online é gravíssima e o "crime" não a justifica. É um perigo que corremos todos.
    Cristy

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